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População rejeita projeto da Prefeitura de Vitória para a Praça do Cauê

Maria do Carmo, moradora de Praia da Santa Helena. Posicionou-se contra o projeto apresentado pela Prefeitura de Vitória para a Praça do Cauê. Solicitou reunião com os moradores do entorno da praça. Disse que a praça está abandonada há muito tempo. Concluiu: “O trânsito só vai acabar quando acabar o pedágio. Sem pedágio aquilo flui que é uma beleza”.
 
A intervenção de Maria do Carmo foi coroada com uma ruidosa ovação das cerca de 250 pessoas que foram ao Gabinete Itinerante da Prefeitura de Vitória nessa segunda-feira (12), na Praia do Canto. Para além dos gritos e aplausos, foi um eloquente prólogo ao que se veria no pátio da Escola Estadual Irmã Maria Horta. 
 
Todo o secretariado do prefeito Luciano Rezende (PPS) reuniu-se sobre um estrado para ouvir as demandas da Região 5 (Praia do Canto). Compareceram ainda o secretário estadual dos Transportes e Obras Públicas, Fábio Damasceno, e o promotor de Justiça de Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público Estadual (MPES), Marcelo Lemos. 
 
Estiveram em pauta a implantação do estacionamento rotativo, os parquímetros na Praia do Canto e obras na Praça do Cauê. À histórica praça couberam os momentos mais palpitantes da reunião.
 
Luciano apresentou o projeto de divisão da Praça do Cauê em duas. Duas ruas do entorno serão suprimidas. A praça ganhará mais mil metros quadrados (hoje são cerca de cinco mil). Serão mantidas as quadras poliesportiva e de tênis. A obra prevê mais um playground, ciclovia, 20 paraciclos (hoje não há) e calçada cidadã (hoje não há). O Parque Trianon, em São Paulo, foi citado como modelo.
 
De início, Luciano explicou o espírito e objetivo do Gabinete Itinerante (“momento em que a Prefeitura abre a discussão”, “Esta é a primeira reunião de quantas forem necessárias”) e, perspicaz, mostrou vínculo afetivo com a Praça do Cauê.
 
“Eu tenho 51 anos e lembro que com oito ou nove anos eu jogava bola na Praça do Cauê. Ela não tinha nenhum dos equipamentos que tem hoje. Tinha um campinho de várzea”. Por outro lado, destacou também o grande problema que hoje é a mobilidade urbana da capital. 
 
Finalmente o microfone foi aberto aos moradores. A reunião começou por volta das 19h e terminou perto das 22h. Todos os moradores que se inscreveram para falar da Praça, quando não se posicionaram em franca oposição ao projeto da PMV, no mínimo o questionaram. 
 

A quinta edição do Gabinete Itinerante mostrou a Luciano Rezende e a Fábio Damasceno (que entrou mudo e saiu calado) que será duríssima a missão de submeter um local histórico como a Praça do Cauê à obras de mobilidade urbana, por mais prementes que sejam. 

 
Em diversos momentos, os dois enfrentaram intervenções que oscilavam entre a contundência e a cordialidade. A fala do engenheiro William Bronw foi exemplar nesse sentido. Disse: “Luciano, você sabe que eu to contigo”, mas qualificou o projeto da PMV como uma “gambiarra estilizada”. “Cara, Vitória não pode virar um local de passagem. Senão vamos ter que botar uma autoestrada nesse lugar”. 
 
Dirigiu-se também a Damasceno, condenando a arbitrariedade do fechamento da Rua Duckla de Aguiar para acesso à Terceira Ponte: “Você fez isso, Damasceno. Desculpe, mas vamos dar nome aos bois”. Constrangidérrimo, o secretário balançou a cabeça em anuência.
 
Tácita ou explicitamente, a Praça do Cauê mostrou por que é o mais novo dilema que se colocou entre obras para circulação-e-fluxo e um sentimento de direito à cidade. Em que pese o caprichado projeto de secção da praça, muitos moradores explicitaram não apenas um vínculo histórico-afetivo com o local, como demonstraram certeza de que o problema da mobilidade urbana definitivamente não passa pela imolação do Cauê. 
 
Daí expressões como “gambiarra estilizada” ou termos como “autoestrada” terem surgido. Morador de Praia da Santa Helena desde 1958, Guilherme Filgueiras disse: “Vitória não pode virar uma cidade de passagem”. O também morador da região Rogério Santana apontou uma questão imobiliária. Para ele, as obras desvalorizam o bairro. E desabafou: não é fácil passar o dia ouvindo buzina de carro.
 
Em muitos momentos, o prefeito abrigou-se em questões conotativas. Conforme o projeto da prefeitura, a via no meio do Cauê será reservada apenas a carros e motos. O presidente da Associação de Moradores de Mata da Praia (AMMP) Sandoval Zigoni questionou a ideia. É derrubar a praça para favorecer o transporte individual. Alguém gritou: “Isso é vandalismo!”. 
 
Luciano tentou remendar. Quando surgia o temo “destruição”, recorria ao eufemismo “intervenção”. Pareceu faltar a prefeito e secretário a sensibilidade simbólica da coisa. No imaginário da população, uma praça dividida não é a Praça do Cauê. É outra praça.

Esquematicamente: intervenção física = descaracterização = perda irreparável do projeto original, logo = destruição simbólica. Mais de uma vez, o nome de Saturnino de Brito, e seu projeto do Novo Arralbalde, que previa a praça, mereceu referência. 

 
Os momentos mais carregados emergiam quando Luciano patinava em eufemismos. Integrantes do Movimento Não é por 20 Centavos, é por Direitos ES vaiavam. O prefeito silenciava e, aí, entrava a secretária de Gestão Estratégica de Coordenação Política de Vitória Lenise Loureiro para mediar a crise. 
 
Por vezes o rosto do prefeito demonstrou visível tensão. Foi o mais agitado Gabinete Itinerante que ele conheceu.
 
Ao final da reunião, o movimento mandou um recado via jogral para o prefeito: solicitava uma reunião para debater mobilidade urbana.  Luciano estava sentado numa das cadeiras de plástico da plateia. Via-se impedido deixar o local, tamanho o grupo que se formou no corredor de saída da escola. Nos momentos finais da reunião, contava-se cinco agentes da Guarda Municipal. Do lado de fora, uma viatura da Polícia Militar.
 
A arquiteta Isabella Muniz criticou a comparação com o Parque Trianon, que lhe granjeou aplausos: “O senhor citou a questão do Parque Trianon. Tive a oportunidade de morar em São Paulo e o Trianon não é um lugar que proporciona segurança aos moradores. Ele é frequentada por prostitutas, drogados, é fechado. Não é exemplo”. 
 
Apontou ainda uma contradição nas ações oficiais: “O senhor pretender transferir o seu gabinete para o Centro de Vitória. Então, esse pensamento que valoriza a memória e a identidade não se coaduna com o de matar a Praça do Cauê”. 
 
O integrante do Ciclistas Urbanos Capixabas (CUC), Rafael Darrouy foi severo: “Se a praça for aberta para passar carro e moto, de cara eu já digo que os senhores estão infringindo a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que prioriza os não motorizados e o transporte coletivo”.
 
O recado dos moradores parecia ser: ligar um ponto a outro é importante, mas não a qualquer custo. Mas, como o prefeito sublinhou, a discussão foi apenas iniciada. Todos os vizinhos ao Cauê solicitaram outra reunião, agora na Praia da Santa Helena. Pedido acolhido. O novo projeto da Praça do Cauê será debatido dia 21 de agosto.

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