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Por que preservar os galpões do IBC?

Arquitetos, urbanistas e historiadores defendem imóvel como patrimônio histórico e sociedade discutirá usos 

Mesmo quando o poder público se ausenta, muitas vezes a sociedade civil assume debates importantes para o futuro das cidades. É o caso do uso dos grandes galpões do Instituto Brasileiro do Café (IBC), localizados em Jardim da Penha, Vitória, que estão com tombamento parcial devido à ameaça do governo federal de leiloar o espaço de 33 mil metros quadrados entre construção e área ao ar livre. Mas por que preservar os galpões do IBC?

No primeiro debate online do projeto Café com IBC, realizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil no Espírito Santo (IAB-ES) em parceria com o BR Cidades, o historiador Fernando Achiamé, a doutora em Urbanismo Daniela Bissoli e a professora de Arquitetura e Urbanismo Viviane Pimentel, se debruçaram sobre esse tema. Nesta quarta-feira (10), às 19h, um novo debate online vai discutir os possíveis usos para o espaço a partir do tombamento e manutenção da atual estrutura.

Numa perspectiva histórica, os armazéns ou galpões podem ser considerados como um marco do início de Jardim da Penha, um dos mais populosos bairros da Capital, e exercem também um importante papel no setor de serviços, na educação, entretenimento e outros setores a nível metropolitano.

Imagem atual dos galpões em Jardim da Penha. Foto: Google Maps

Aos 71 anos, Fernando Achiamé, partindo de bibliografias e de sua memória desde a infância, lembra que até os anos 60, a região continental de Vitória, onde está Jardim da Penha, era considerada zona rural, tomada pela vegetação de restinga e manguezal, antes habitada por povos originários dali. Ele conta que a região era conhecida como Praia de Maruípe, nome provável em tupi que faria referência ao maruí, mosquito comum na região de mangue.

No final do Século XIX, o local seria regulamentado como Fazenda Mata da Praia, nome que vai ser herdado pelo bairro vizinho de Jardim da Penha, de propriedade da família Azambuja Meireles. Em 1928, um grupo de investidores resolve construir um balneário na região, batizando-o de Balneário de Camburi, possivelmente em referência a uma palmeira ou ao riacho que ainda existe no final da praia, hoje poluído. O loteamento fracassou, mas o jornal criado para divulgá-lo acabou dando origem a um dos maiores grupos de comunicação do Espírito Santo, a Rede Gazeta.

A economia cafeeira e a construção dos galpões

A região era considerada distante na época, o que começa a mudar em 1929, com a construção da ponte da passagem, mais moderna e duradoura que os acessos anteriores, isso no bojo do período de desenvolvimento proporcionado com base especialmente na alta dos preços do café no mercado internacional. O local passa a ser mais frequentado por moradores da parte insular da cidade, para lazer e pesca.

Um segundo loteamento é aprovado em 1952, sendo realizadas aberturas de estradas e ruas, mas também não prospera muito. Era o auge do período do café, no qual o Espírito Santo possui produção destacada no mercado internacional, sendo Vitória o local que escoa o produto para exportação, como registram recortes de jornais apresentados por Viviane Pimentel, mostrando que muitas famílias econômica e politicamente importantes da Capital vivam da comercialização do café.

É aí que começa a construção dos galpões para armazenamento de café pelo IBC, cuja construção termina em 1961, servindo como armazéns reguladores, para que não houvesse nem falta de café, nem uma super oferta no mercado, que poderia provocar baixa nos preços, como lembra Fernando Achiamé. Viviane destaca a posição estratégia dos galpões entre o aeroporto e o porto de Vitória, propício para o escoamento do produto, que chegava por via ferroviária e depois rodoviária.

Mas é a criação de um novo porto, o de Tubarão, no final da Praia de Camburi, que vai promover uma ocupação de fato do área continental de Vitória. O primeiro conjunto habitacional inclui 106 sobrados no entorno dos galpões próximo dos quais os primeiros moradores fundam o Clube 106, a igreja católica e a feira, existentes até hoje no bairro. É no entorno dos IBC que o bairro se desenvolve, estando o imóvel justamente no Centro – ou como alguns gostam de dizer – no coração de Jardim da Penha.

Jardim da Penha nos anos 1970. À esquerda o IBC próximo às primeiras casa e conjuntos habitacionais e da Ufes. Foto: Antonio Carlos Sessa

Curiosamente, os galpões são inaugurados no mesmo período em que o mercado do café entra em crise com a queda do preço internacional e a competição dos países asiáticos, dando início à política de erradicação dos cafezais no Brasil e ao ciclo de industrialização no Espírito Santo, com a implantação de grandes projetos industriais como a CVRD (Vale) e CST (ArcelorMittal) na Ponta de Tubarão, aumentando a centralidade do continente para a cidade de Vitória, em sua expansão metropolitana, e atraindo novos moradores para implantação de novos condomínios e conjuntos habitacionais entre as décadas de 1960 e 1970.

Viviane Pimentel destaca que o valor dos galpões como patrimônio independe de aspectos estéticos da construção, pois o imóvel faz parte da história não só da criação do bairro, mas também do desenvolvimento do Espírito Santo, o que justifica o pedido de tombamento a nível estadual.

Tombamento provisório evita venda 

A solicitação para tombamento veio por solicitação de 15 entidades da sociedade civil, em novembro de 2020, diante da veiculação de notícias sobre o iminente leilão do local pelo governo federal, sem qualquer consulta à comunidade. A professora justifica que o pedido de tombamento com caráter de urgência foi aprovado pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) e garante o tombamento provisório, que ainda pode ser revertido ou consolidado, mas que impede temporariamente sua demolição ou a modificação de sua estrutura sem autorização do mesmo conselho.

Isso teria levado o governo federal à desistência definitiva do leilão, que já havia encontrado resistência de moradores, agentes culturais, políticos e outros interessados no uso público do espaço voltado à socialização da comunidade e da sociedade em geral, ao invés da proposta de venda, que poderia resultar na destruição do imóvel para a provável construção imobiliária. Para Viviane, o tombamento permitiu dar tempo para que a sociedade possa discutir que tipo de uso pretende para o imóvel público, uma demanda de décadas dos moradores de Jardim da Penha, dado o fato de que parte do espaço seguia ocioso.

Viviane lembra que o ex-superintendente da Superintendência de Patrimônio da União (SPU) chegou a mencionar, em entrevista à imprensa, que havia conversado com empresários em 2019, sendo que quatro haviam manifestado interesse em comprar o terreno, mesmo antes de que se fosse feito qualquer diálogo com a sociedade, como é previsto por instrumentos como o Plano Diretor Urbano (PDU) e o Estatuto das Cidades. É na promoção desse debate, de forma virtual por conta das dificuldades da pandemia do coronavírus, que a sociedade civil busca acumular força e afinar o discurso para reivindicar o espaço para uso comum e coletivo.

A professora destaca a relação histórica que cinco dos seis sítios históricos tombados do Espírito Santo estão relacionados com o período em que o café era o principal produto da economia capixaba – sendo que permanece como um produto importante até hoje. Daniela Bissoli lembra ainda das várias estações de trem tombadas em municípios do Estado, também muito ligadas à economia cafeeira e ao transporte do café.

Diferentemente desta época, porém, os galpões integram uma estrutura mais próxima do patrimônio industrial, que implicou em grandes sustentações voltadas para indústria e comércio que fizeram parte do processo de impulsionamento do crescimento das cidades, mas se tornaram obsoletas num período relativamente curto, diante das novas configurações socioeconômicas, quando o meio urbano passou a ser essencialmente local de desenvolvimento de setor terciário (comércio e serviços), e as estruturas fabris e de armazenamento foram se deslocando para lugares mais distantes, ao mesmo tempo em que o país passava – e passa – por momento de desindustrialização por conta do avanço da globalização neoliberal.

Vista aérea dos Galpões do IBC na década de 1970. Foto: Antonio Carlos Sessa

Daniela destaca que o debate sobre o patrimônio industrial começa de forma tardia e é recente, tendo início na Europa por volta das décadas de 1950 e 1960, chegando posteriormente ao Brasil, mas tendo como marco importante para sua proteção uma conferência realizada em 2003 em Nizhny Tagil, na Rússia, destacando que esse patrimônio é formado por vestígios da cultura industrial, que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico, englobando edifícios, maquinárias, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e refino, entrepostos e armazéns, infraestruturas ligadas à transporte e energia, entre outros, além de locais e atividades ligadas com as indústrias em áreas como habitação, educação e religião.

O IBC permaneceu ao longo das décadas como uma estrutura de outro tempo, como marca histórica, num espaço central e super valorizado de Vitória, despertando também o interesse do mercado imobiliário para novos empreendimentos. Viviane destaca que o terreno do IBC possui diversos galpões com espaços amplos e pé direito alto, que possibilitam diversos usos, além de uma área externa que somaria como um espaço público ao ar livre.

O tombamento, destaca, não implica no congelamento nem determina a forma de uso do local, ao contrário do senso comum que costuma ser fomentado por conta de interesses econômicos. Podem ser feitas mudanças na estrutura, desde que aprovadas pelo Conselho Estadual de Cultura, e os usos podem ser diversos, como será discutido na próxima “live” do Café com IBC.

Ressignificar o patrimônio industrial

Daniela traz alguns exemplos bem-sucedidos de ressignificação desse patrimônio dentro das cidades para outras atividades-fim diferentes das originais para as quais foram criadas essas construções. Um deles é Puerto Madero, antigo porto de Buenos Aires, que virou um importante ponto comercial, turístico e de lazer da capital argentina. Mas nem é preciso sair do país para observar projetos desse tipo, como é o caso da Estação das Docas, em Belém, no Pará, hoje um espaço comercial e de lazer muito frequentado por locais e visitantes.

Outros exemplos são as unidades do Sesc Pompeia e Sesc Belenzinho, em São Paulo, antigas áreas industriais transformadas para o uso comunitário, cultural e esportivo. Mas chegando ainda mais perto, temos o Museu Vale, construído em Vila Velha na antiga estação ferroviária, ao lado da Estação Leopoldina, que agora passa por obras de restauração para se tornar um equipamento público de educação e cultura pela prefeitura. Em Vitória, ainda há exemplos como a antiga Fábrica 747, localizada em Jucutuquara, transformada na Fábrica de Ideias, espaço para empreendedorismo, mantendo a estrutura arquitetônica fabril original.

Então permanecem duas questões: manter de pé esse patrimônio ou não? E que uso destinar a ele? No acúmulo que vem sendo construído pela sociedade civil organizada, a resposta para primeira pergunta é sim. E a segunda questão se abre para uma multiplicidade de respostas. Os convidados para contribuir com o tema “Novos usos coletivos para os galpões do IBC” são Cristiane Gonçalves, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), o artista Renato Pontello, cofundador do projeto Cidade Quintal, e Sandra Mara Celleste, administradora e produtora cultural voltada para a área de economias criativa, compartilhada, colaborativa e multivalores. A transmissão será pelo canal do IAB-ES no YouTube.


Tombamento dos Galpões IBC afeta especulação imobiliária

Medida foi aprovada de forma provisória, mas impede demolição do imóvel que governo federal pretende leiloar


https://www.seculodiario.com.br/cidades/tombamento-dos-galpoes-ibc


Estudantes apresentam projetos para uso dos galpões do IBC

Proposta do Governo Federal de vender imóvel público sem diálogo com a sociedade provocou polêmica em 2020


https://www.seculodiario.com.br/cidades/estudantes-apresentam-propostas-para-uso-dos-galpoes-do-ibc


Entidades pedem tombamento dos Galpões IBC

Governo Federal pretende levar imóvel de 33 mil m² localizado em Jardim da Penha a leilão em novembro


https://www.seculodiario.com.br/cidades/entidades-pedem-tombamento-dos-galpoes-ibc

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