A região pode ser reconhecida como sítio histórico ou sítio histórico arqueológico
Preservar a história para que não seja esquecida nem repetida. Esse é um dos objetivos do tombamento da região do Hospital Pedro Fontes, no bairro Padre Mathias, em Cariacica, como sítio histórico, ou, até mesmo, sítio histórico arqueológico, como afirma a secretária de Cultura de Cariacica, Renata Wexter. “Há possibilidade de tombar como sítio histórico arqueológico, pois na região tem sambaquis, que são artefatos de séculos, como ossos e urnas”, explica a secretária, que afirma que o objetivo é concretizar o tombamento ainda este ano.
O tombamento, explica Renata, possibilitará captação de recursos para restauro e preservação dos equipamentos da região, como o Educandário Alzira Bley, a capela e o cemitério. Além da preservação da memória, a iniciativa pode contribuir para o desenvolvimento do turismo, beneficiando a comunidade, que poderá, por exemplo, receber pessoas para visitas guiadas e potencializar iniciativas de economia criativa já existentes entre os moradores. A secretária acrescenta que a região é composta por nascentes, portanto, o tombamento é importante para a preservação ambiental. Outro benefício é o de evitar a ocupação desordenada do território, que já começou a acontecer, relata.
O Hospital Pedro Fontes foi criado em 1937 para isolar pacientes com hanseníase, doença também conhecida como lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Os filhos dos internos, por sua vez, eram encaminhados para o Educandário Alzira Bley, também em Cariacica, criado em 1940. O leprosário, também chamado de Colônia de Itanhenga, nasceu no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas. Com a descoberta da cura da doença, o fim da internação compulsória aconteceu em 1962, mas há registros de que continuaram a acontecer, em todo o país, até a década de 80.
“É uma história muito triste. A gente não quer que a memória seja esquecida, pois a sociedade tem débito com aquelas pessoas excluídas dos seus direitos. Demorou muito para que a internação compulsória caísse por terra, mas mesmo com seu fim, ela deixou consequências nefastas para as pessoas”, diz Renata.
Processo de tombamento
Segundo a secretária, os tombos são feitos por meio de pesquisas com fontes primárias, como pessoas que fizeram parte da história a ser preservada, documentos, fotografias, entre outros. Posteriormente é feito um dossiê histórico para o Conselho de Política Cultural do município, que o avalia. Caso seja aprovado, é publicado um decreto de sítio histórico ou sítio histórico arqueológico, sendo registrado no livro de tombos e registros de patrimônio material referente a lugares.
Para averiguar se de fato a região pode ser tombada como sítio histórico arqueológico, de acordo com Renata, uma equipe da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) está fazendo pesquisas e averiguações in loco. A secretária explica que o município de Cariacica tem uma legislação própria de tombamento, elaborada com base nos critérios do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan). Assim, explica, os tombamentos seguem a legislação municipal e nacional.
Renata afirma que, apesar da previsão de tombamento ainda neste ano, não será possível garantir a captação de recurso para o restauro. “Contamos com o compromisso da próxima administração municipal para dar prosseguimento”, enfatiza.
Livros, exposição e documentário
Outras iniciativas de resgate histórico da região e dos acontecimentos que ali se sucederam já foram feitas e algumas estão em andamento. A história do Educandário Alzira Bley foi resgatada no projeto “O Educandário Alzira Bley como Lugar de Memória, realizado pelo coletivo cultural Start. O trabalho está disponível em uma exposição fotográfica virtual. No site também é possível ter acesso a um catálogo de fotos. Ambos os trabalhos seriam lançados em abril, no aniversário de 80 anos do Educandário. Entretanto, foi impossibilitado devido à pandemia. Tanto a exposição fotográfica, que contará com 10 banners, quanto a versão do catálogo em DVD estão sem data prevista para lançamento.
O projeto, contemplado pela Lei de Incentivo à Cultura João Bananeira, de Cariacica, também conta com um documentário sobre o Alzira Bley, que será lançado no mesmo DVD do catálogo, e conta com a direção de Judeu Marcum. Segundo o arquivista e integrante do Start, Anderson Gomes Barbosa, a iniciativa tem como objetivo valorizar o educandário como patrimônio cultural do Espírito Santo e de Cariacica, por fazer parte da identidade cultural e social, retratando um contexto importante, apesar de triste, do Estado e do município.
Em 2014 foi lançado o livro Hospital Dr. Pedro Fontes – antiga colônia de Itanhenga, que conta a história da instituição. A obra é de autoria das assistentes sociais e ex-funcionárias do hospital, Dora Martins Cypreste e Alda Vieira, e resgata a história da hanseníase no mundo, no Brasil e no Estado. Além disso, relata a vida dos pacientes desde a época do isolamento compulsório, passando pela transição até os dias atuais, com tratamento e cura da doença.
Outro livro também está em andamento, pelo escritor e presidente da Academia Cariaciquense de Letras (ACL), Marcos Bubach, que, com apoio da Associação dos Ex-Internos do Preventório Alzira Bley, está na fase de pesquisas da obra, que contará a história desde o surgimento do hospital, abrangendo a criação do Educandário e as vivências nesse lugar.
Mais tombamentos
Em 30 de dezembro de 2019, Cariacica completou 129 anos de emancipação. Na ocasião, o prédio do Centro Histórico Eduartino Silva, que também foi tombado ano passado, foi entregue revitalizado. Segundo Renata, a proposta de restauro, contida em um projeto arquitetônico, foi aprovada em um edital de cultura do Ministério da Justiça. O recurso, informa a secretária, estará disponível para o município somente após o período eleitoral. No prédio, já funcionaram a Câmara Municipal, a prefeitura, e ele também serviu de apoio ao Fórum, pois ali já foram realizadas audiências.
Renata explica que revitalização são ações que não alteram os aspectos físico e estrutural. No caso do Centro Histórico Eduartino Silva, foram feitas ações como pintura e ajuste da parte elétrica. Já o restauro é a recuperação da arquitetura de uma determinada época, esclarece. Renata aponta ainda que, no caso do Eduartino Silva, o restauro irá prospectar recortes na parede que mostrem tijolos e pinturas da década de 40, quando foi feita uma reforma que deixou o prédio diferente do original do século XIX.
Hoje, no Eduartino Silva, funciona uma biblioteca comunitária no primeiro pavimento, junto com um telecentro. No segundo andar há um anfiteatro voltado para apresentações culturais. A proposta é que a biblioteca comunitária atue de forma integrada à rede de bibliotecas do município e que o acervo seja disponibilizado de forma online para os usuários.
O Eduartino Silva faz parte de um conjunto de atrativos históricos de Cariacica Sede chamado Tríduo Histórico, que contempla, ainda, a igreja de São João Batista e a praça Marechal Deodoro da Fonseca, que também foram tombados.
Se o tombamento do sítio histórico de Pedro Fontes irá preservar uma história triste de isolamento compulsório de hanseníacos e a retirada de crianças de seu seio familiar, o tombamento do Casarão Ibiapaba poderá preservar a memória das dores dos negros escravizados. O casarão, construído em 1872 e que fica na estrada que dá acesso a Santa Leopoldina, conta com uma senzala. Renata explica que o tombamento está em negociação com os proprietários. Em caso de imóveis particulares, informa, o tombo não tira os direitos dos donos de usufruir do bem, mas não se pode alterar sua estrutura, e, em caso de venda, o primeiro a quem o proprietário deve oferecer é ao município.
Em julho, a Secretaria Municipal de Cultura (Semcult) registrou também o Carnaval de Congo de Máscaras, que acontece em Roda D’água no dia de Nossa Senhora da Penha, e o personagem João Bananeira, como patrimônios imateriais da cidade de Cariacica.