A Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) ocupa apenas 5% do território capixaba, mas quase a metade da população está ali (48,19%, números de 2008). Segundo dados de 2005, a região produz 63% do PIB e arrecada 65% do ICMS . E, ainda segundo dados de 2008, 35,2% dos investimentos previstos para o Espírito Santo no período de 2007 a 2012 estavam previstos para a região.
Os números do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) dizem que em 2001 a Região Metropolitana respondia por 59% da frota estadual de veículos; em 2007, a participação da região no total estadual registrou uma leve queda: foi para 58,58%. Ainda assim, é mais da metade.
Não será fácil o trabalho que os prefeitos de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória – municípios que compõem a RMGV – terão a partir de 1º de janeiro. Sobretudo em termos de mobilidade urbana: a Grande Vitória é cada vez uma coisa só; as linhas limítrofes cumprem funções meramente burocráticas.
Os números acima projetam o nível de concentração de atividades que atingiu a Região Metropolitana. O que em 1976, quando foram criadas as regiões metropolitanas, era um aglomerado urbano, ou seja, um espaço onde se via um processo ainda incipiente de unificação entre cidades, hoje é o coração e o cérebro do Espírito Santo.
Um dia, não há tanto tempo, houve quem estranhasse a incorporação de Guarapari e Fundão à Região Metropolitana da Grande Vitória. Veio a roda do tempo e dobrou os céticos. Hoje, o professor do Departamento de Arquitetura da Ufes, André Abe, aponta uma configuração que, como ontem, provoca os cenhos franzidos da descrença.
“Há hoje uma área de impacto na Grande Vitória que vai desde São Mateus a Presidente Kennedy”, analisa. Para ilustrar, o exemplo dele é simples. O impacto urbano numa cidade equipada se dá numa proporção de 3/1; numa não equipada, 7/1.
Tal proporção significa que, na “cidade equipada”, cada emprego no setor secundário gera três empregos no terciário. Exemplo prático: Anchieta. A partir daqui, poderemos entender o que afinal significa uma “cidade equipada”.
Se quiser um serviço mais sofisticado – como um restaurante – o trabalhador do setor secundário de Anchieta não irá buscá-lo em Anchieta. Ele pega a estrada e parte para Guarapari. Caso seu nível de exigência seja mais alto, ele ignora Guarapari. Seu destino final é Vitória.
Do jeito que está hoje, Anchieta pode até criar três daqueles sete empregos. Mas os demais serviços serão buscados em Guarapari ou Vitória – com mais chances para a capital.
Claro que o exemplo acima é dos singelos. Mas dá conta do recado na hora de esboçar os impactos sobre a mobilidade da Grande Vitória.
Entre os especialistas, paira o consenso de que as prefeituras e o Governo do Estado devem estabelecer a gestão integrada da Região Metropolitana da Grande Vitória. Contudo, nossa metrópole ainda não foi contemplada por tal modelo de gestão.
A ideia não é exatamente nova, vide-se a criação em 2005 do Conselho Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória (Comdevit) e do Fundo Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória (Fumdevit).
Segundo o site do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) ambas as ações visam a “apoiar o desenvolvimento, a integração e a compatibilização das ações, estudos e projetos de interesse comum da Região Metropolitana”.
O que se tem assistido, no entanto, são menos ações integradas do que planos isolados. Uma ponte aqui, um túnel ali, outra ponte acolá. “Mobilidade urbana tem sido velocidade para os automóveis, mas estradas, mais túneis”, aponta, contundente, o economista e professor da Ufes Arlindo Villaschi.
Até aqui, o Bus Rapid Transit (BRT), projeto do Governo do Estado de corredores exclusivos para ônibus, ostenta-se como único plano de grau e propriedade metropolitanos. A restrição ao uso do carro – Abe sugere a cobrança de estacionamentos – e a melhoria do transporte público, sempre apontado como a solução mais imediata para os engarrafamentos, ainda habitam o mundo das utopias.
O BRT pode ser bom. Mas ainda é insuficiente para uma área que atingiu um novo patamar de urbanização. “E com potencial para crescer mais. O que a cidade quer? Algumas optaram por parar de crescer. Outras fizeram uma divisão de trabalho. Então, isso tem que ser pensado”, pondera Abe.
Com outras palavras, Villaschi traça as mesmas interrogações: “Devemos nos debruçar sobre o mapa da região e perguntar: o que deve ser preservado? Que tipo de trabalho e qualidade de vida e a gente quer? Queremos uma outra Los Angeles, uma outra São Paulo?”.
Um paralelo entre a Jardim Camburi de tempos atrás e a região da Serra onde hoje se concentra o projeto Minha Casa, Minha Vida (Jacaraípe, Nova Almeida, Serra-Sede) aparece como outro bom exemplo da importância do planejamento.
Em ambos há certa semelhança no perfil social: jovens em ascensão que mais tarde, com aumento da renda, vão: ter filhos, ansiar por apartamentos maiores e buscar mais serviços. E isso significa: mais pessoas nas ruas, mais disputa por espaço. Camburi já viveu isso. A Serra ainda tem tempo para se preparar.
Daí a necessidade de conferir maior permeabilidade às avenidas, como a Fernando Ferrari, em Vitória, ou criar eixos massivos, como o BRT. Aqui, o uso do solo seria modificado e se configura a “divisão de trabalho”. Na Reta do Aeroporto já se vê algo assim: surgem ali usos metropolitanos do solo (serviços como locadoras de veículos).
Surgido na década de 80 nos Estados Unidos, o Novo Urbanismo defende o resgate de uma nova relação entre o homem e a cidade, frente àquela que privilegiou o automóvel no planejamento urbano. Aí pode estar uma saída: o estímulo ao surgimento de cidades mais compactas, configurando bairros mais autônomos e sustentáveis, em que comércio, serviços e moradia estejam integrados.
Os “jardins” de Vitória nos dão o exemplo. Jardim Camburi e Jardim da Penha operam segundo tal modelo. Dificilmente quem mora nesses bairros precisa pegar o carro e engrossar o tráfego para ir ao supermercado, por exemplo.
Ali é possível fazer a vida a pé ou, para quem preferir, de bicicleta. Num outro pólo, os moradores da Enseada do Suá por ora não desfrutam do privilégio.
O jogo político é apontado como o grande estorvo à integração metropolitana. Arlindo Villaschi e Roberto Garcia Simões, professor da UFES e especialista em políticas públicas, convergem nas análises.
“O Governo do Estado está virando um grande prefeito da região metropolitana”, diz Simões, entrevistado de Século Diário neste fim de semana. Villaschi acha a mesmíssima coisa: “Todo governador quer ser prefeito da Grande Vitória”, diz Villaschi.
O jogo político aí garante a simbologia do governador, na opinião de Simões. A opinião de ambos parte da premissa de que a Região Metropolitana da Grande Vitória é o filé mignon do estado, por todos aqueles dados dispostos no início da matéria: o PIB capixaba está aqui e, de certa forma, a democracia também (já que quase metade da população capixaba está na GV).
A região é portanto uma ampla e luminosa vitrine para o governador. “Há projetos em que fica difícil um prefeito questionar. Senão fica parecendo que ele é do contra”, diz Villaschi. E pecha de “do contra” ninguém quer.