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Reportagem EspecialSem pressa

Texto: Henrique Alves
Fotos: Gustavo Louzada/Porã

Os próprios ciclistas garantem: um dos principais problemas de Vitória não é exatamente a ausência de ciclovias e ciclofaixas, uma rede cicloviária articulada ou uma infra-estrutura cicloviária. Também. Mas a velocidade dos carros é um inconveniente do mesmo patamar para quem usa a bicicleta como veículo de transporte. Muita gente que regularmente se aventura pela ilha por duas rodas sabe do que falamos.

 
O Código Brasileiro de Trânsito (CTB) define a bicicleta como veículo. Mas circulando pelas ruas de Vitória verifica-se um vão entre o CTB e a realidade. Em vias como a Avenida Rio Branco, na Praia do Canto, ainda não contemplada com ciclovia/ciclofaixa, é flagrante a violação à velocidade máxima – ali, de 50 Km/h. O mais leve toque no guidão pode engrossar a lista das vítimas do trânsito.
 
É por isso que o CTB resguarda a vida e não o fluxo de trânsito. Os artigos 201 e 220 são belos exemplos. O primeiro é do famoso 1,5m de distância: “Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta” é infração média, sujeita à multa. O segundo diz que “Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito” é infração grave, sujeita à multa.
 
Como a bicicleta é veículo para o CTB, ela também tem normas a respeitar. Não pode andar na calçada, tem o direito e o dever de andar na via e a circulação deve se fazer pelo lado direito. Mas como proceder em vias de tráfego intenso e frenético? Daí as cenas que cada vez mais vemos em Vitória: ciclistas andando na calçada. Questão de segurança, claro.
 
Como as vias de Vitória são estreitas em sua grande maioria, é arriscado trafegar na borda das pistas. Imagine uma boca de lobo, um desequilíbrio qualquer, o deslocamento de ar produzido pelos carros ou uma ultrapassagem mal efetuada? 
 

Há ideias que ajudam a contornar esses problemas. E felizmente elas começam a tomar corpo nesta querida ilha.

 
No final de janeiro, uma reunião entre ciclistas, Secretaria Estadual de Transporte e Obras Públicas (Setop) e Instituto Jones dos Santos Neves (IJNS) discutiu a implantação de cliclorrotas na Região Metropolitana da Grande Vitória. Especificamente, o projeto tem em vista um outro: o de aluguel de bicicletas que o governo estadual pretende desenvolver em parceria com as prefeituras. A licitação deve ser aberta em março.
 
Ciclorrotas não são ciclovias nem ciclofaixas, vias segregadas para ciclistas. São itinerários seguros para o deslocamento via bike onde não haja pistas específicas para o modal. Como a infra-estrutura cicloviária da Grande Vitória ainda é falha, com carros e ciclistas muitas vezes dividindo o mesmo espaço, uma ciclorrota confere mais segurança à viagem do ciclista.
 
Em duas rodadas de conversa, os ciclistas listaram cinco critérios para o traçado das ciclorrotas, como baixa velocidade dos carros, vias com menor fluxo de carros, segurança. 
 
Embora a justificativa das ciclorrotas esteja no sistema de aluguel de bicicletas, o projeto traz subentendida a ideia de compartilhamento de rua, ainda acanhadamente promovida e aplicada em Vitória. A ideia engloba todos os agentes que utilizam o espaço urbano – pedestres, bicicletas e veículos motorizados. Mas hoje a relação mais embaraçada se dá entre carros e ciclistas. 
 
Mesmo com pontos do CTB orientando o compartilhamento, muitos motoristas ainda estranham a presença de bicicletas nas vias, como delineamos acima.
 
E como as ciclorrotas se associam ao compartilhamento de rua? É que as ciclorrotas são trechos sinalizados, horizontal e verticalmente. Em São Paulo (SP), há exemplos como as ciclorrotas dos bairros do Brooklin, da Lapa e Mooca. Por isso a implantação de ciclorrotas pode ser vista como medida de estímulo ao compartilhamento de vias.
 

O interessante nisso tudo é que Vitória é uma cidade maravilhosamente ciclável. Cidade pequena, a topografia plana, ruas arborizadas e a suave vizinhança com o mar fazem da capital capixaba uma cidade, em princípio, aprazível para errar de bike por aí. 

 
Só que, não apenas nas vias mais fervilhantes mas também dentro dos bairros – Bento Ferreira, Jardim Camburi, Praia do Canto e, em menor escala, Jardim da Penha – a pressão dos veículos motorizados é cada vez maior. Por exemplo, a dica mais segura que apuramos para acessar Jardim da Penha pela Praia de Camburi é via Rua do Canal. As demais requerem atenção.
 
Entre outras medidas, a implantação de ciclorrotas por estimular outra noção que aliviaria a pressão sobre os usuários de veículos não-motorizados. Trata-se da ideia de acalmamento de trânsito (do inglês traffing calming). 
 
O acalmamento de trânsito é tendência mundial. Pode ser entendido como um conjunto de estratégias para abrandar os efeitos negativos do trânsito e, por conseguinte, criar um ambiente seguro e agradável para todos. Isso tem a ver com pessoas conduzindo seus respectivos veículos de maneira mais lenta, sem violar as características locais.
 
A prefeitura até apresentou projeto para acalmamento de trânsito. O nome é interessantíssimo: “Bairro com trânsito seguro”. Entramos em contato com a Secretaria de Transportes (Setran) para trazer mais detalhes – início das operações, fiscalização, bairros em que será implantado. Mas não houve retorno. Mau sinal. 
 
Despida do ar hostil que envolve o carro, a bicicleta está sendo utilizada em cidades do mundo inteiro para implantar o acalmamento de via. Como sustentar uma restrição de velocidade dentro de um bairro? Por decreto, seria indelicado. 
 
Aí se usa a figura simpática das bikes para justificar a restrição de velocidade. O bairro será todo sinalizado, ali ciclistas circulam o tempo todo. Com seus muitos afáveis bairros, Vitória é uma cidade ideal para se aplicar esse conjunto de ideias que promovem o respeito mútuo entre pedestres, carros e bicicletas. 
 
Para evitar a “vilanização” do carro e reforçar a noção de que a responsabilidade do bom trânsito deve ser compartilhada por todos os seus agentes – motoristas, ciclistas ou pedestres – vão abaixo alguns pontos do CTB que destacam os direitos e deveres do ciclista.
 
BICICLETA – veículo de propulsão humana, dotado de duas rodas, não sendo, para efeito deste Código, similar à motocicleta, motoneta e ciclomotor.
 
Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
(…)
§ 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.
 
 Art. 38. Antes de entrar à direita ou à esquerda, em outra via ou em lotes lindeiros, o condutor deverá:
(…)
Parágrafo único. Durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem.
 
Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.
 
Art. 59. Desde que autorizado e devidamente sinalizado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via, será permitida a circulação de bicicletas nos passeios.
 
Art. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios (…)
§ 1º O ciclista desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres.
 
Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta:
Infração – média;
Penalidade – multa.
 
Art. 220. Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito:
(…)
XIII – ao ultrapassar ciclista:
Infração – grave;
Penalidade – multa.

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