Foi produtiva a reunião entre ciclistas, Secretaria Estadual de Transporte e Obras Públicas (Setop) e Instituto Jones dos Santos Neves (IJNS) realizada nas últimas quinta (23) e sexta-feira (24) no prédio do instituto, em Bento Ferreira, Vitória.
Representantes das três partes discutiram a implantação de cliclorrotas na Região Metropolitana da Grande Vitória com vistas ao projeto de aluguel de bicicletas do governo estadual pretende desenvolver em parceria com as prefeituras. A licitação deve ser aberta em março.
No papel, o projeto é interessante. O sistema de aluguel irá disponibilizar 700 bikes para a população. As ciclorrotas vêm redimir a precária infraestrutura cicloviária da região, antes um riscado aleatório que um desenho coeso. Daí que o governo estadual celebrou convênio com o instituto para traçar as tais ciclorrotas.
Explicando: ciclorrotas não são ciclovias nem ciclofaixas, vias exclusivas para ciclistas. Ciclorrotas são itinerários seguros para o deslocamento via bike onde não haja pistas específicas para o modal.
Como o grande pecado da Grande Vitória não é precisamente a falta ou não de ciclovias/ciclofaixas, mas uma aplicação ainda tímida da ideia de compartilhamento da rua, a ciclorrota torna a viagem mais segura – ou menos arriscada. Onde ciclistas e motoristas são desiguais, aqueles sempre perdem.
Grupos de ciclistas da Grande Vitória foram convidados para auxiliar na tarefa. Ponto para a Setop, que convocou quem realmente usa o meio e conhece suas dores e delícias.
Nas duas rodadas de conversa, o governo solicitou aos ciclistas que enumerassem cinco critérios para o traçado das ciclorrotas. Entre outros, apontou-se: baixa velocidade dos carros, vias com menor fluxo de carris, segurança. A ideia é que reuniões semelhantes sejam realizadas a cada três meses para eventuais ajustes no projeto.
Uma vez finalizado, esse mapa de ciclorrotas deve ser disponibilizado na internet e, ainda, impresso em papel para distribuição nos pontos do sistema de aluguel.
BikeGV
Há novidades no BikeGV, o ônibus que transporta ciclistas entre Vitória e Vila Velha via Terceira Ponte. A subsecretária estadual de Mobilidade Urbana, Luciene Becacici, acolheu as sugestões de mudança no sistema BikeGV apresentada por ciclistas logo aos primeiros quilômetros rodados, em finais de novembro e começo de dezembro.
Aqui, perdoem a incoveniência, o repórter vai se intrometer. A razão é nobre: moro em Vila Velha e trabalho em Vitória. Durante quatro dias da última semana fui de bike para o trabalho, via BikeGV, com o fim de experimentar as falhas e desfrutar os benefícios. Em suma, relatar a experiência, posteriormente. Mas essas novidades apressaram um pouco as coisas.
São fundamentadas as críticas que os ciclistas fazem ao BikeGV desde o início das operações. A primeira reivindica a mudança dos pontos de embarque e desembarque em Vitória e Vila Velha, sobretudo em Vila Velha. Aqui os ciclistas ficam ao lado de uma cracolândia e é de difícil acesso. As sugestões de mudança apontam para as imediações do Shopping Praia da Costa. Em Vitória, para a Praça do Cauê. A explicação é para que o ônibus se limite à estrita travessia da ponte.
Seria uma boa: saindo de Vitória ou de Vila Velha, acessar a ponte em horários de pico é tarefa árdua. Portanto, quanto mais curto for o trajeto do ônibus, mais autonomia e tempo ganharão os ciclistas.
Logo de início uma coisa ficou clara: é inadequado o ponto do ônibus Bike GV em Vila Velha, na Avenida Gonçalves Ledo, no bairro Divino Espírito Santo, ao lado do terminal do transcol. Há ali uma consolidadíssima cracolândia.
Para mim, especificamente, o problema foi outro. Já o previa e, realmente, ele existe: experimentei um exemplo pronto e acabado daquela “aplicação ainda tímida da noção de compartilhamento da rua”.
Deixando o Centro (Rua Castelo Branco) ou da Praia da Costa (Rua Quinze de Novembro), a única ciclovia no caminho até o ponto é a da Avenida Jerônimo Monteiro/Champagnat. De resto ou você fica esperto na comunhão pouco fraterna da rua ou você institui rotas seguras. Porém infringindo o que recomenda o Código Brasileiro de Trânsito: o ciclista deve guiar na direção do fluxo pelo lado esquerdo da via.
Repeti a dose em cada opção. Saindo do Centro, cheguei a ciclovia, que usufrui até a Avenida Luciano das Neves. Aqui é tenso. A Luciano das Neves é uma das vias mais histéricas do Centro canela-verde. E o estacionamento é permitido em ambos os lados, o que estreita a via. Segui até a altura do terminal. É uma viagem aventuresca, que pede alguma cautela.
No dia seguinte, partindo da Quinze de Novembro, deslizei pela ciclovia até altura da Rua Cabo Aílson Simões – se a margem dianteira da Praça Duque de Caxias é a Luciano das Neves, a traseira é a Aílson Simões. Ali, ferindo o CTB, lépido passeei na contramão, até o ponto.
Informalmente, numa troca de ideia aqui e ali com os usuários que encontrei indo para e voltando de Vitória, notei que muitos aprovariam o deslocamento do ponto o entorno do shopping. Mas para outros também muitos, tanto fazia. Vinham da região oeste: do ponto do BikeGV para lá ciclovia. Nas avenidas que cortam a Glória em direção ao sul do estado também.
Nas outras duas ocasiões, o mesmo itinerário inicial: Quinze de Novembro, ciclovia. Agora, enfrentei outra via ruidosa via, especialmente pelas manhãs: a Avenida Hugo Musso. Cautela, de novo. Depois, num dia segui até o ponto do ônibus pela Avenida Carioca: uma vez respeitando o fluxo do tráfego, noutra, com ele me defrontando. Em qualquer lado o trânsito é intenso e não há cliclovia/ciclofaixa. Logo ambos são igualmente importunos.
Encontrei um personagem ilustrativo indo para Vila Velha no ônibus de 17h30. Era negro. Trajava camisa de botão, calça jeans e essas robustas botas de trabalhador da construção civil. Chegou sobre uma Caloi 10 antiga, dessas de pneus delgados e guidão recurvo. O rosto gotejava. Quando finalmente acomodou-se no ônibus, tirou uma velha camisa amarela da pequena bolsa e enxugou a testa, as faces, a boca e os braços.
Ao final da viagem, soube que ele mora em Barramares, ou seja, desmesuradamente longe do bairro Divino Espírito Santo, ponto de partida e chegada do Bike GV. Conheci também, indo para Vitória, um estudante de Geografia da Univesidade Federal do Espírito Santo (Ufes) que mora na Barra do Jucu.
Estivesse o embarque e desembarque canela-verde no Shopping Praia da Costa, eles ganharia muito: hoje uma das coisas mais lindas de Vila Velha é a ciclovia que se estende da Praia da Costa até a Barra do Jucu. Pedalariam incontáveis quilômetros, mas pedalariam em completa segurança. E ainda com o brinde da brisa marinha afagando-lhe o semblante.
E também pulando o trânsito em que se enredariam se viajassem de ônibus: teriam que ir ao Terminal de Itaparica para depois, só depois, pegar um outro direto para Vitória ou, ainda, pegar um para o Terminal de Vila Velha e só de lá seguir seus destinos. Muita coisa. E se o horóscopo do dia ainda previr más energias, terão um engarrafamento clamoroso no acesso à ponte.
A volta: mais dificuldades. Mas para ir de Divino Espírito Santo para o Centro/Praia da Costa, indubitavelmente a rota mais segura é via Cabo Aílson Simões, até a ciclovia da Jerônimo Monteiro. Sentido Praia da Costa, seguir pela Gonçalves Ledo em direção à Carioca é deparar com as inconveniências de um fluxo intenso de carros em alta velocidade.
Quanto a Vitória, senti mais divergências: ouvi Praça do Cauê, o posto de gasolina da Rua Duckla de Aguiar (ambos em Praia de Santa Helena) e ouvi gente contemplada com o ponto da Praça da Ciência. Este é bom mesmo: a bike sai direto do ônibus para a ciclovia. Para um canela-verde, isto é um baita privilégio.
Finalmente, voltando às críticas dos ciclistas. A subsecretária acolhe o pedido de mudança nos pontos. Em Vila Velha, deve ser mesmo nas imediações do Shopping Praia da Costa. Aqui, é preciso ver como ficarão os usuários oriundos de Santa Inês, Ilha das Flores e região. Em Vitória, o ponto deve ir para as proximidades da Praça do Cauê. Aliás, recentemente alcunhada de Praça do Ciclista.
O segundo ponto diz respeito ao trabalho dificultoso que é, para algumas pessoas, embarcar no ônibus, vencer os degraus com uma bicicleta a tiracola. Foi reclamada uma calha para subir com a bike e a subsecretária acenou com sua instalação. O terceiro divergiu da proibição do embarque de bicicletas cargueiras, tipo utilizado por trabalhadores para quem a bicicleta é também um instrumento de trabalho. O BikeGV será adaptado.
Nas reuniões, todo mundo falou, opinou e ouviu. Vamos aguardar.