Durante as duas horas da audiência pública que nessa segunda-feira (2) debateu o “toque de recolher” no Centro, a cadeira reservada ao prefeito Luciano Rezende (PPS) ficou vazia. O prefeito sequer respondeu ao ofício-convite enviado pelo proponente, o vereador Roberto Martins (PTB). Junto com o Ministério Público Estadual (MPES), Luciano teceu um Termo de Compromisso Ambiental (TCA) que, desde fevereiro, obriga bares e restaurantes da região a recolher mesas e cadeiras às 23h.
O órgão ministerial pelo menos não foi indelicado: o promotor Marcelo Lemos justificou a ausência explicando que já tinha agenda previamente marcada. Convincente? Não. Mas é uma resposta.
O presidente da Câmara de Vitória e político com reduto eleitoral no Centro, o vereador Vinicius Simões (PPS), também não compareceu. A vereadora Neuzinha de Oliveira (PSDB) compareceu e falou ao microfone. O líder do prefeito, Leonil Dias (PPS), também compareceu. Mas nada disse
A audiência pública dessa segunda reuniu cerca de 60 pessoas na Câmara de Vitória, que representaram os setores cultural, turístico e comercial do Centro de Vitória. Era um debate há muito aguardado por moradores e frequentadores do Centro, já que a Prefeitura de Vitória evita o diálogo desde o início da vigência do termo. Isso é o suficiente para explicar a saraivada de críticas com que os presentes alvejaram a gestão Luciano Rezende.
Se, por um lado, as intervenções celebraram a vocação turística e cultural da região, por outro, condenaram a falta de diálogo que marcou a elaboração do TCA. Um bom resumo da audiência pública está na fala de Caio Perim (foto abaixo), proprietário do Guanaaní Hostel, um albergue abrigado em um casarão dos anos 20 na Rua Coronel Monjardim.
Ele destacou que recebe hóspedes de todos os lugares do Brasil e do mundo. “Eles ficam perdidamente apaixonados pelo Centro”. No entanto, imaginou-se a seguir em um impasse: “Como vou falar para o meu hóspede: ‘Não sai depois das 23h porque o Centro é um deserto?’”.
Por fim, concluiu, endereçando um “pedido encarecido” à prefeitura e o MPES: “Já que a prefeitura não tem ajudado, pelo menos não atrapalhe. E as medidas que tenho visto da prefeitura tem atrapalhado e atrapalhariam muito mais a nossa vida. Gostaria de deixar registro esse pedido, encarecido, à prefeitura e ao Ministério Público também, para que não nos atrapalhem, por favor”.
O advogado André Moreira, candidato do Psol à Prefeitura de Vitória nas eleições de 2016, propôs que os moradores entrem com uma ação na Justiça contra o TCA. “O TCA é um engodo. O prefeito se esconde atrás do TCA para não aplicar a política de cultura para o Centro de Vitória. Esse TCA é ilegal e inconstitucional porque acaba com a possibilidade de criar uma política de cultura para o Centro”.
A assessora jurídica da Associação de Moradores do Centro de Vitória (Amacentro), a advogada Cristiane Martins lamentou a ausência do MPES e da prefeitura. “Isso parece ser uma constante dessa gestão e, infelizmente, também da promotoria que conduziu o inquérito civil público”.
A representante dos produtores culturais, Vanessa Cordeiro destacou o potencial econômico da produção cultural. “Quando esse TCA chega para mim, me assusta, porque além de ele ter sido acordado entre algumas poucas secretarias, não incluindo a Secretaria de Cultura, a Secretaria de Trabalho e Renda, a de Turismo, quando ele inclui isso, não se leva em consideração que se está matando trabalho, renda, a nossa oportunidade”.
O tom de exaltação do Centro e críticas à gestão Luciano Rezende (PPS) não mudou quando o microfone foi aberto à participação da audiência. A produtora cultural Fabiana Nobre não se surpreendeu com a ausência da prefeitura e do MPES ao debate. “Se eles não nos chamaram para discutir o TCA, como estariam aqui?”. Stael Magesck, da Casa da Stael, espaço cultural que completa uma década este ano, celebrou o momento cultural da região. “A gente está em um momento que queremos trabalhar juntos. A gente quer fazer um Centro cada vez melhor. Não só para quem vem de fora, mas para também para quem está dentro dele”.
Ele finalizou com um recado nada sutil a Luciano Rezende: “Por favor, prefeito, não vá mais à minha casa pedir voto”.
Em sua fala, o vereador Roberto Martins evocou uma passagem durante a prestação de contas de Luciano Rezende, realizada em março, na Câmara. Lembrou, primeiro, um plenário tomado de assessores – segundo ele, o ponto naquele 30 de março tinha acabado às 16h. A prestação de contas começou em seguida.
O vereador lembrou que questionou o teor do TCA a Luciano Rezende. “O prefeito não respondeu às questões e me disse uma coisa muito interessante: ele reclamou dizendo que eu deveria cobrar isso do Ministério Público! Ora, não sabe o prefeito que vereador é não eleito para fiscalizar Ministério Público e, sim, prefeitura?”
A seguir, o vereador expôs de forma contundente por que também não se espantou com a ausência de Luciano. “A cadeira está ali vazia e assim vai ficar para que todos saibam que nós temos um prefeito em Vitória que tem medo da democracia. Um prefeito que não sabe discutir com a sociedade, que não sabe ouvir. Um prefeito que tem na arrogância a sua principal virtude”.
Por fim, a produtora cultural e moradora Muriel Falcão reforçou a proposta de ação judicial de André Moreira: “O que está aqui é muito claro: é criminalizar o samba, é restringir o samba. A quem interessa esse TCA? Vamos propor forma de representá-lo judicialmente”.