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‘?? uma cicatriz que você não esquece nunca mais’

Amanda (nome fictício) engravidou com 17 anos, depois de um relacionamento de sete meses. “Eu gostava muito dele, mas não tinha maturidade pra isso. Eu sabia que não podia contar com o apoio dele.”
 
Jovem e sem o apoio do namorado, ela decidiu realizar um aborto ilegalmente, muito em função da pressão do próprio namorado, que não queria ser pai de uma hora pra outra. Determinado em interromper a gravidez da parceira, foi ele mesmo que conseguiu o Cytotec (medicamento abortivo com venda proibida no Brasil) com um primo, que tinha contatos dentro de um hospital do Estado. 
 
Amanda diz que foi fácil conseguir o remédio: “Já consegui para algumas amigas. Tive contato com enfermeiras que vendem o medicamento. Muitas vezes o medicamento vem de dentro do hospital”, conta Amanda. 
 
Mas, se conseguir o medicamente para interromper a gravidez é simples, passar pelo processo pode ser muito doloroso: “Tive muito medo, perdi muito sangue. Estava frágil, fisicamente e emocionalmente. Meu namorado não quis ficar do meu lado. É uma cicatriz que você não esquece nunca mais”, diz com pesar.
 
Felizmente, Amanda não teve nenhuma sequela por conta do processo abortivo. Hoje é mãe e se diz muito feliz com a sua vida. Histórias como a de Amanda são muito mais comuns do que se imagina. Apesar de proibido, na prática, é relativamente fácil realizar um aborto no Brasil. Em uma rápida busca no Google encontramos instruções o passo a passo para realizar um aborto, com as dosagens de medicamentos, contatos de clínicas e até um serviço “delivery”.
 
Segundo Samira Sanches, representante da Marcha Mundial das Mulheres no Estado, quase toda mulher relata conhecer alguém que já abortou ilegalmente. Ela diz que o método mais comum é o uso do Cytotec, e que é possível encontrá-lo, ilegalmente, em algumas farmácias do Estado e com alguns revendedores ilegais.
 
O Cytotec, ou Misoprostol, é um medicamento formulado originalmente para o tratamento de úlceras no estômago, mas usado em muitos países para a interrupção da gravidez. No Brasil, a venda controlada foi proibida em 1998, mas ainda é possível adquirir em hospitais, para mães que tiveram abortos retidos – quando se tem um aborto espontâneo, mas o feto não é expelido do útero – e em casos em que o aborto é permitido pela lei: casos de estupro, quando a mãe corre risco de vida e quando o feto é anencéfalo. Os comprimidos também são contrabandeados de países onde o medicamento é legalizado.
 
Além dos medicamentos, muitas mulheres procuram clinicas clandestinas de aborto, que realizam o serviço pelos métodos de curetagem ou sucção nas mulheres. Realizar um aborto ilegal é caro. Um comprimido de Cytotec custa em média R$ 400, e é preciso de quatro a seis doses para assegurar um aborto efetivo. Já nas clinicas, o valor é bem variado, as mais famosas cobram, em média, R$ 3 mil. 
 
Ainda assim, os abortos certamente não são seguros. Muitos vendedores oferecem medicamentos falsos às mulheres, e as clínicas não oferecem equipamentos e profissionais qualificados para um procedimento seguro. As que não podem pagar por nenhum desses métodos se arriscam com procedimentos caseiros e “receitas populares”. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 200 mil mulheres morrem no Brasil, vítimas de abortos clandestinos. No Rio de Janeiro, o caso de Jandira Magdalena ficou conhecido depois que a grávida foi encontrada morta, com o corpo carbonizado, após ir até uma clínica clandestina para realizar o procedimento ilegalmente.
 
Para Sanches, a discussão do aborto, além de passar pela autonomia da mulher sob o próprio corpo, é uma questão de saúde pública. “Para as mulheres ricas o aborto já é legalizado, porque elas têm dinheiro para pagar uma boa clínica. A preocupação é com as mulheres pobres, que não podem pagar e acabam recorrendo a medidas desesperadas. Elas acabam perfurando o útero, tendo hemorragias e quando chegam à maternidade, são humilhadas e ameaçadas”, afirma a feminista. 
 
Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada em 2010, 15% das mulheres brasileiras já realizaram um aborto no Brasil, e mais da metade destas tiveram complicações decorrentes do procedimento. Entretanto, como a pesquisa entrevistou somente mulheres alfabetizadas e dos centros urbanos, os números podem ser ainda maiores. Nesta pesquisa, também não são contabilizados os casos de morte.
 
Ainda segundo a pesquisa: “A PNA indica que o aborto é tão comum no Brasil que, ao completar 40 anos, mais de uma em cada cinco mulheres já fez aborto”. Fica claro que o aborto clandestino é um problema de saúde pública, resta saber quantas mulheres ainda vão morrer até que esse tema-tabu entre definitivamente na pauta e seja discutido sem preconceito pela sociedade brasileira.

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