Próximo a Terra Vermelha, 89 famílias estão à espera de desapropriação para garantir seu direito à moradia
Ao final da avenida no bairro Normília Dias, chega-se a um amplo terreno descampado ao lado do conjunto habitacional Minha Casa Minha Vida de Jabaeté, na região da Grande Terra Vermelha, em Vila Velha. Mas ainda não é esse ainda nosso destino final. Uma estreita descida pela estrada de chão cercada de vegetação, quase como um portal, dá acesso ao Vale da Conquista, uma ocupação que conta com 89 famílias que lutam há anos pela regularização da terra para poderem morar ali.
A primeira ocupação há cerca de três anos ocorreu em um terreno ao lado, de onde os ocupantes foram despejados em setembro de 2019. Seguiram então para a área atual, menos favorável, que tem a parte central do terreno alagada, formando um brejo, que alguns moradores vem aterrando para construir suas casas. Outros preferiram habitar as encostas do outro lado da rua que margeia a ocupação. A maioria dos barracos são de materiais reaproveitados, como madeiras, telhas e lonas, embora alguns já tenham sido construídos com alvenaria. A falta de recursos e a incerteza sobre a posse do terreno prolongam as condições precárias de vida na região.
Em dezembro de 2020, uma decisão judicial representou certo alívio para as famílias. O pedido de reintegração de posse feito por Carlos Fernando Machado, que reivindica a propriedade da área, foi suspenso pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo após um agravo de instrumento feito pela Defensoria Pública Estadual, sustentando seis motivos para que a reintegração não fosse realizada, incluindo a violação do direito à moradia, a inadequação de expulsar as famílias em momento de pandemia e outros elementos jurídicos.
Mas o que pesou entre os argumentos da Defensoria para a suspensão do despejo das famílias foi a existência do reconhecimento do local como área de interesse social para fins de desapropriação, feito em agosto do ano passado pela Prefeitura Municipal de Vila Velha, por meio do decreto de número 209/2020 assinado pelo então prefeito Max Filho (PSDB).
A área ainda está em avaliação por uma comissão na Secretaria de Obras, para que possa ser dado seguimento ao processo de desapropriação e indenização ao proprietário. A prefeitura elaborou um projeto de ocupação, definindo ruas e lotes. Por enquanto vale o que foi improvisado pelos moradores, que até nomearam as ruas com nomes escolhidos por eleição e delimitaram com madeiras e arames os limites de seus lotes.
No primeiro dia de 2021 tomou posse uma nova gestão na prefeitura, tendo como líder do Executivo Arnaldinho Borgo (Podemos), ex-vereador que derrotou no segundo turno o então prefeito Max. Consultada pela reportagem, a nova gestão não respondeu sobre o caso do Vale da Conquista até o fechamento desta edição. Nancy, a atual coordenadora da ocupação, que aconteceu a partir de moradores do entorno, sem movimentos políticos organizados, preferiu não gravar entrevista seguindo orientações jurídicas, mas se mostrou otimista quanto à consolidação do possível novo bairro vila-velhense.
Enquanto todos esperam, a vida segue no Vale da Conquista, apesar dos difíceis tempos da pandemia, em que além da emergência em saúde, o desemprego aumentou. Há trabalhadores de diferentes áreas e funções morando na região, sendo a maioria autônomos, que sofreram grande impacto no último ano. Mesmo assim, alguns seguem trabalhando em suas casas, seja com consertos, incrementos ou aterros necessários.
Ao ver Nancy, um morador a chama para resolver uma dúvida sobre a extensão do terreno de sua casa, que havia sido questionado por uma vizinha. A tranquilidade da resposta parece indicar que não haverá maiores problemas no caso. Caminhamos na tarde e ensolarada pelas estradas de terra esburacadas que os moradores sonham em ver como ruas. Junto às casas há barbearia, oficina mecânica, mas a maioria das necessidades e compras precisam ser feitas fora de lá.
Na conversa com moradores, eles também pedem postes para melhorar a iluminação, feita à base de gambiarras e troncos de madeira, e instalações da Cesan para o abastecimento adequado de água. Por enquanto, cada morador contribuiu com uma parte dos canos para fazer a água chegar a todos, mas na ocasião da nossa visita fazia três ou quatro dias que não chegava água.
Dona Juracy Braum colocou uma caixa d’água em sua casa para armazenar o líquido para as necessidades mais fundamentais. Mas também mostra o poço artesiano que cavaram e usam de forma complementar para lavar algumas coisas. A água é límpida mas com receio de contaminação, já que muitas casas jogam o esgoto no brejo. Os vizinhos também a procuram constantemente para pegar água do poço quando falta a do cano.
Ela vive num barraco construído com materiais reaproveitados junto com o companheiro, filho e netos. Vivia de aluguel quando trabalhava como cuidadora de idosos, mas por conta dos problemas de saúde teve que deixar o trabalho e a renda que sustenta a família hoje vem do filho que é catador de materiais recicláveis e do esposo Vivalto Tito, vendedor de picolé. Assim como em muitas casas, também possuem galinhas e plantios de terreiro como banana, cana e outros, que ajudam na subsistência.
Juracy ainda lembra do despejo anterior e diz aguardar a providência divina para que possam seguir no local e aos poucos melhorar o barraco, que possui furos no telhado e exigem uma reorganização espacial da família para dormir quando chove. O carismático Vivaldo Tito fala com alegria da tranquilidade que sente em morar ali. De um dos lados há uma área de mata nativa que os moradores se dizem engajados em defender e não deixar que seja destruída.
Querem preservá-la como parte da paisagem do Vale da Conquista, que ainda não figura nos mapas com esse nome emblemático, escolhido por moradores.