Quando se fala em Vila Velha, na Grande Vitória, normalmente as pessoas lembram do Convento da Penha e das festividades à padroeira do Espírito Santo. Entretanto, estima-se que existam, na cidade, mais de 300 casas de religiões de matriz africana. Agora, será possível descobrir a quantidade exata, por meio do projeto “Sagrada Ancestralidade”, que irá mapear os terreiros, sacerdotes e sacerdotisas dessas religiões.
Para fazer o mapeamento, foi divulgado o edital de chamamento público 02/2022, que selecionará uma Organização da Sociedade Civil (OSC) com o objetivo de executar essa tarefa. As inscrições podem ser feitas até cinco de setembro.
O trabalho deverá “resultar em produto cultural (inventário ou catálogo, em formato impresso e mídia digital ou e-book, etc.), com a finalidade de posterior reconhecimento como Patrimônio Material e Imaterial, por meio de tombamento dos terreiros, a ser inscrito no Livro do Tombamento dos Bens Imóveis e Sítios, e registro dos ofícios relativos aos cultos, a ser inscrito no Livro do Registro Especial dos Saberes e Modo de Fazer do município, em observância aos incisos I e III, respectivamente, do Artigo 12 da Lei Municipal nº 5.636/2015”.
O subsecretário de Cultura de Vila Velha, Manoel Goes Neto, afirma que o mapeamento “é quase uma obrigação nossa de ter atenção para pagar uma dívida histórica com meu povo escravizado”, além de fazer parte do plano de governo do prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos) para a cultura, que “busca valorizar a identidade cultura canela-verde, resgatando todo o manancial cultural de uma cidade que é a terceira mais velha do Brasil e gênese do Espírito Santo”.
O mapeamento, destaca, possibilitará saber “quantos somos, onde estamos e como vivemos”, para, a partir daí, serem criadas políticas públicas. “Os povos de matriz africana fazem muita cultura e arte, e isso precisa ser valorizado. Queremos, inclusive, dar suporte nessa área”, diz.
O município de Cariacica, por meio da Gerência de Igualdade Racial, fez um trabalho semelhante. Por meio de um mapeamento, constatou-se que a cidade conta com, pelo menos, 10,9 mil pessoas pertencentes a alguma comunidade tradicional. Os dados, que consideram ciganos, povos de matrizes africanas, pescadores e marisqueiros, são resultado de um mapeamento realizado por mais de um ano na cidade.
O estudo, pioneiro no Espírito Santo, descortina a ausência de políticas públicas nas comunidades e pode nortear ações governamentais que amenizem o contexto de marginalização e apagamento dessas culturas em território capixaba. O “Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais do Município de Cariacica” foi um trabalho colaborativo, que envolveu pesquisadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (Neab-Ufes), representantes de movimentos sociais e lideranças do município.
“O interesse de mapear essas comunidades nasceu a partir, primeiramente, do desejo dos próprios membros tradicionais do município em sair do ostracismo mediante a visibilização de suas tradições e o reconhecimento de sua cultura ancestral como um dos componentes no processo de constituição da sociedade cariaciquense atual”, explica o pesquisador e mestre em Ciências Políticas Iljorvanio Silva Ribeiro, um dos responsáveis pela parte técnica da pesquisa.
O estudo foi realizado de 23 de janeiro de 2020 a 26 de março de 2021. Dentre a população estimada de 10,9 mil pessoas em comunidades tradicionais, 9,7 mil são de povos de matrizes africanas, 1,18 mil de pescadores e marisqueiros, enquanto 70 pertencem a comunidades de ciganos.