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O Natal e a desinformação

As festas de final de ano, de modo especial o Natal, contribuem para mascarar os dramas sociais

Ao todo, foram contabilizadas mais de duas mil declarações falsas ou distorcidas do presidente Jair Bolsonaro nos dois anos de governo, segundo institutos de checagem de informações, sem contar o patético pronunciamento natalino dessa quinta-feira (24). Falando à nação, o capitão presidente, ao lado da mulher, Michele, disse que trabalhou com responsabilidade para preservação da vida e do emprego dos brasileiros, cuidou do meio ambiente e valorizou a família, entre outras costumeiras abobrinhas. Tudo mentira. 

Basta ver o comportamento inadequado para enfrentar a pandemia da Covid-19, com quase 200 mil mortos, lembrando sempre a sabotagem à vacinação em massa neste “país de maricas”, como diz o capitão presidente, mais voltado para a política de redução de conquistas trabalhistas e sociais, resultando no absurdo número de desempregados, na casa dos 14 milhões, na destruição ambiental e no desmanche da economia liderado pelo ministro Paulo Guedes.

Por mais estranho que pareça, a fala presidencial encontra acolhimento em extensas faixas da população alimentadas pela desinformação, por meio de sistemas de emissão de mensagens construídos desde a campanha eleitoral. Destacam-se as informações distorcidas, em contexto apropriado ao Natal, essa farsa criada no Século IV pela nascente igreja romana, com base em tradições babilônicas, para legitimar práticas à época consideradas pagãs e, também, reforçar o poder político da religião.

No cenário atual, transformou-se em relevante fonte capitalista de geração de lucro, por meio de chamamentos que incluem a figura grotesca do Papai Noel, criada pela Coca-Cola, e avançou por meio do consentimento de sistemas religiosos cristãos. Serve para mascarar questões sociais, como agora no Brasil, e legitima uma mentira histórica: Jesus não nasceu em 25 de dezembro. Segundo o calendário judaico, seu nascimento ocorreu entre setembro e outubro, e, ao contrário das celebrações atuais, a doutrina cristã ensina que o “reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz, e alegria no Espírito”, como está na carta de Paulo aos Romanos 14:127.

Justamente o que falta ao país, onde sobram violência, pobreza e injustiça social. Como no passado, o sistema de competição implantado pelo mercado rompe com cláusulas pétreas como essa, entre várias outras, parte de um processo de alienação política, social e cultural direcionado às camadas com baixo nível de escolaridade. Submetidas ao domínio de lideranças política e, principalmente, religiosas, representam a linha de frente de legitimação de um processo de demonização de qualquer ação que busque valorizar as necessidades mais essenciais do ser humano e reduzir desigualdades.

O Natal se presta como uma luva para valorizar comportamentos cuja base é a geração de lucro, seja na compra de presentes individuais ou em projetos de filantropia religiosa, onde se destaca a marca da hipocrisia e, por vezes, do egocentrismo. É tempo de solidariedade, de generosidade, em rituais repetidos apenas nessa época, divulgados em redes sociais e até mesmo em peças publicitárias, em manifestações de autênticos “espíritos de engano”. Prova disso é que essa generosidade não consegue alterar a estrutura da desigualdade social.

Um quadro que subsiste na onda da desinformação, no engodo do marketing e em discursos retóricos em púlpitos das chamadas igrejas cristãs, ponta de lança de movimentos retrógrados que sustentam ideologias totalitárias, uma delas o neofascismo pós-golpe de 2016, ódio e preconceitos, nos quais a disseminação de fake news é abraçada com fervor, em especial junto à grande parte do público evangélico. O atual governo é um retrato fiel dessa anomalia.

Enquanto ocorrem as celebrações, segue ignorada a lista de direitos da classe trabalhadora que foram suprimidos, as taxas de desemprego sobem, a economia desmantela e o meio ambiente sufoca, em um cenário assustador com as mortes pela Covid-19, “uma gripezinha”, para Bolsonaro. A desinformação cumpre o seu papel: amortece o pensamento crítico que leva ao esquecimento as várias Medidas Provisórias editadas pelo capitão e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, com geração de perdas para a maioria.

O cenário é de desalento, mas, no entanto, pode mudar em 2021. Os sinais estão presentes no esvaziamento do bolsonarismo, na formação de uma frente de oposição na Câmara dos Deputados, na prisão do prefeito do Rio, Marcelo Crivela (Republicanos), da Igreja Universal, empreendimento alinhado aos movimentos de direita que arquitetaram a queda de Dilma Rousseff. Preso, representa um revés em instituições religiosas que se opõem ao Estado Democrático de Direito.

Essa camada exerce papel fundamental no crescimento de ações contrárias às políticas de restabelecimento de uma democracia plena no país e trabalha para garantir a reeleição do atual presidente em 2022. Apoia-se na desinformação, que enfatiza unicamente a pauta moral, minuciosamente direcionada para enganar trouxas – “Mamadeira de Piroca”, “ideologia de gênero”, lembram? Novas investigações poderão identificar outros nichos de corrupção, de lavagem de dinheiro, não só no Rio de Janeiro, mas em outros estados e municípios, envolvendo mercadores da fé, divididos, como em briga de facções. Que 2021 traga ventos de esperança, desmascarando os enganadores.

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