As aparências enganam
A Filosofia, por meio da dialética, ensina a buscar sempre a realidade concreta, principalmente além da aparente.
Desde cedo as pessoas aprendem a moldar as aparências ao gosto do freguês, a aparência é que vende. Seja a pintura que esconde os cabelos brancos, a maquiagem que tapa algumas marcas, a fachada da casa bem melhor cuidada que o interior, o celular de última geração sem internet, ou ainda, ações que varrem a sujeira para debaixo do tapete, desde o sentido literal até o figurado, que venho refletir.
As questões maiores do enfrentamento, para uma vida social que respeite o ser, precisam ser analisadas com a profundidade que alcance o sentido concreto de sua influência na sociedade e na vida do cidadão.
Para um melhor entendimento, vamos construir este raciocínio com exemplos.
Problema: superlotação dos presídios.
– Está insuportável, as pessoas estão acumuladas em depósitos lotados que nunca dão conta da população carcerária; o que pode ser feito para resolver o problema? A primeira voz grita: É preciso construir mais presídios!!!
Assim a máquina carcerária, cheia de problemas administrativos e funcionais, cresce e os problemas também…
Com um exercício dialético, podemos buscar algumas premissas, qual é mesmo a melhor função do cárcere? Reeducar? (Re) socializar? Ou simplesmente manter preso?
Se a necessidade social é a (re) socialização, então precisamos saber como ela tem funcionado, e assim, retornaremos aos problemas administrativos e funcionais do cárcere, que não promovem a (re) socialização, muitas vezes promovendo a reincidência, pelas condições gerais do encarceramento e suas contradições, que acabam justificando a ação criminosa pelo exemplo do Estado em adaptar a moral naquele local.
Aqui o homem bom constrói mais presídios, o que beneficia muita gente em detrimento do verdadeiro interesse da sociedade.
Ao Estado cabe dirimir os conflitos de interesses na sociedade quando a população não consegue fazer isso sozinha. Aqui entram prioritariamente as questões de segurança. As primeiras vozes gritam: Não dá! O Estado também é um risco do qual a população precisa estar preparada para se defender. É preciso que o cidadão esteja armado para ter o direito de se defender da violência e do próprio Estado.
Voltando a conferir ou construir premissas, qual é a função do Estado? Como se constitui o poder ali e a quem serve o governo (máquina burocrática do Estado comandada por representante eleito por período determinado)? Qual o preparo do cidadão ou cidadã para o enfrentamento da violência urbana, com a arma que mantém em lugar seguro em sua casa?
Se a função do Estado é administrar a vida comum do cidadão e atuar para dirimir seus conflitos, e considerando que seu comando é por meio de representantes eleitos diretamente pela população, me parece que não há necessidade nem interesse, do Estado, que o cidadão ou cidadã esteja armado para se proteger, o que seria uma demonstração da incompetência do próprio Estado em cumprir a sua função.
Novamente esse “homem bom”, utilizando a aparência de defender o direito de a população enfrentar a criminalidade e o próprio Estado, fomenta a indústria armamentista e uma enorme cadeia de ganhos em seu entorno.
Inúmeros outros exemplos poderiam passar por aqui, como os casos de amordaçamento da escola que, sob a alegação da difusão de ideologias, quer direcioná-la à “fabricação” de “robôs humanos” produtivos e disciplinados. Também o comportamento da indústria cultural, homologando o racismo como estrutural, ou ainda o preconceito existente no mundo do crime aos praticantes de crimes sexuais (funcionando como “o crucificado” que o libera de seu pecado – “posso ser homicida, ladrão ou traficante, mas não sou estuprador”).
A contribuição da Filosofia apela ao uso da dialética para alcance de uma visão crítica da sociedade e rompimento com os títulos, seja de “homem bom” ou autoridade de qualquer estirpe, como paradigma de razão nas ações ou construções de falácias de autoridade.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia