Ameaça a jornalista demonstra mais uma vez a face autoritária do presidente Jair Bolsonaro
O noticiário sobre violência ocupou o maior tempo das emissoras de TV neste início da semana e alcançou o seu ápice com a frase “Vontade de encher tua boca com uma porrada, tá? Seu safado”, dita pelo chefe de Estado Jair Bolsonaro. Desse modo, ele exprime a real dimensão do governo, eleito em 2018 com 57,7 milhões de votos tendo como uma das principais bandeiras o combate à corrupção, e mantém a característica do autoritarismo e da violência.
A fala do presidente ocorreu em resposta à pergunta de um repórter – “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?” – e mostra, sem qualquer dúvida, que as coisas são encaradas com a marca da porrada, sem diálogo, em um governo beligerante, voltado para ampliar armas em poder da população civil e com um histórico de parcerias com milicianos.
A violência e a insensibilidade, esta ressaltada na indiferença para com os mais de 115 mil mortos na pandemia da Covid-19, não são suficientes, entretanto, para encobrir as claras evidências de envolvimento da família presidencial em ocorrências extremamente nebulosas. A participação do filho Flávio, hoje senador, e do seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, não deixam dúvidas, e se agravam a cada dia com ligações diretas com outros membros da família.
Embora não se tenha notícias de casos de corrupção na estrutura do Estado, o envolvimento da família presidencial nesses casos atinge em cheio o fantasioso combate à corrupção, ampliando na sociedade um recorrente sentimento de insegurança e violência. A fala do presidente, cheia de autoritarismo, é uma clara ameaça à liberdade de imprensa e à democracia, em sua investida para disseminar um clima de violência, inclusive visando armar a população, ao mesmo tempo em que reduz mecanismos de defesa social.
Um exemplo, a exclusão do último relatório do Disque 100, um canal de denúncias de violações de direitos humanos relacionadas às crianças e adolescente, pessoas idosas e com deficiência. Com essa medida, divulgada na sexta-feira passada (21), cessam os registros das providências adotadas sobre 86,8 mil denúncias de violências contra crianças e adolescentes, como a de que foi vítima a menina de 10 anos de idade, em São Mateus, norte do Estado, estuprada por um tio, uma entre centenas em todo o País.
Um cenário no qual se multiplicam os casos de violência. No Espírito Santo, por exemplo, o número de assassinatos nos primeiros oito meses desse ano cresceu 16% em comparação com o mesmo período de 2019. As causas apontadas, para não fugir à regra, recaem sobre briga de quadrilhas em disputa por pontos de tráfico e acerto de contas, enquanto a questão da desigualdade socioespacial, a segregação que criminaliza, é esquecida ou abordada em programas equivocados e desconectados a outras áreas.
Não existe no País, pelo menos na estrutura oficial, o que o pensador italiano Norberto Bobbio chama de “a ética do diálogo”, mas, de forma dominante, o que ele denominou de “equilíbrio do terror”, em ensaios nos quais fala de paz e de direitos humanos sempre em tom duro contra o fascismo e o autoritarismo.
Bobbio aponta: “O fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933, no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta, agride, como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso comum, um sociopata que faz carreira na política. No poder, essa direita não hesita em torturar, estuprar e roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos. Mais do que a corrupção, o fascista pratica a maldade”. É urgente uma reflexão, para saber se chegamos a esse estágio.