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A cigana me enganou

Caso com o João (presencial) ou com o Briggs (à distância)?

Supondo-se que lá pelo final do mês de março de 2020 – não tem tanto tempo assim – uma cigana cruzasse meu caminho e pedisse para ler minha mão…Suposição absurda, sou uma pessoa de bom equilíbrio mental e psicológico, não perco tempo com leituras de mão ou de búzios, só vi bola de cristal no cinema e não conheço ninguém que saiba ler as cartas do tarot. Mesmo assim, a cigana precisa defender o leite das crianças.

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Ela olha rapidamente para minha mão e me diz que em um futuro bem próximo, o item mais vendido em qualquer loja não será protetor solar, e sim máscaras faciais. Peço meu dinheiro de volta, mas a cigana já vai longe, atrás de outra otária. Ou otário, tanto faz. Não demorou muito para saber que a cigana estava certa. Comprei duas máscaras – uma sobressalente, nunca se sabe – e vou atrás da cigana com uma lista de perguntas essenciais para meu futuro emocional: Caso com o João (presencial) ou com o Briggs (à distância)? Vou passar no concurso ou estou perdendo meu tempo? Que número vai dar…

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A cigana está no mesmo lugar, mas adaptou-se aos novos tempos: de máscara na cara e dentro de um círculo amarelo riscado no chão com caneta Sharpie. Cuidado! ela grita, quando quase piso na tal linha amarela. O que é isso? Pergunto…Vamos manter distanciamento social, quer dizer, fique dois metros distante de mim, por causa do vírus. Outra vez duvido das faculdades adivinhatórias da cigana. Como vou trabalhar em um escritório lotado, para ir ao banheiro três pessoas precisam se levantar para me dar passagem? E o elevador? Moro no oitavo andar, mais dez de garagens. E como vai ler minha mão a dois metros de distância?

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Ela tira um binóculo da bolsa e grita no megafone – Abre a mão…ótimo! Tudo isso vai passar em breve. Sorrio aliviada, Claro que tudo vai passar em breve. Estou planejando um grande evento para meu aniversário em maio e ainda estamos em março. Ela guarda o binóculo, Entendeu errado, amiga! O que vai passar é seu escritório lotado – com sorte, vai poder trabalhar em casa. Quanto ao elevador, vai pela escada. Evento em maio? Hmmm, com sorte, talvez maio de 2022, depois de quatro vacinas.

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Vacinas? 2022? Por que perco meu tempo com essa charlatã? Vou saindo de fininho, e ela me estende uma cestinha – amarrada na ponta de uma vara de dois metros: Bota aí seus dólares, madame, não trabalho mais em real. Sabe como é, mesmo com máscara e distanciamento social, tô aqui correndo um grande risco. Nesse ofício não tenho como fazer home office. Pergunto o que ela quer dizer com home office, ela diz que meu tempo esgotou, terei que pagar outra consulta. Pago uma só e vou saindo…

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Lá vem uma cestona recheada de pacotes. Ela explica: Máscaras para todas as ocasiões, eu que faço. Pergunto o que vou fazer com tantas máscaras… Acorda, amiga, vai faltar máscaras e álcool gel no mercado. Saio correndo, duvidando da sanidade mental da infeliz…Ela grita: Vai se arrepender! Volto, compro todo o estoque. Chego no meu edifício e sofro um ataque de realismo social: Não acredito que caí outra vez nas malhas daquela vigarista! Dou o pacote inteiro pra zeladora.

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