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A grande simulação

Dados recentes do IBGE informam que 70% da população brasileira nasceram depois de 1964. A maioria desses 140 milhões não faz ideia do que foi a ditadura civilmilitar (1964/85), cujos reflexos estão presentes no Brasil dos nossos dias sob a forma do ódio latente na política, nos meios de comunicação, em manifestações de rua e nas relações sociais.
 
Por isso é interessante ouvir gente mais velha, que faça parte dos 30% nascidos antes de 1964. Advogados e jornalistas, por exemplo.
 
Jornalistas de 80 anos costumam contar histórias de arrepiar os cabelos de jovens repórteres. Basta que tenham oportunidade de falar e platéia com tempo para ouvi-los.
 
Foi o que aconteceu com o veterano Flavio Tavares, convidado a falar para quase uma centena de pessoas em Porto Alegre sobre as consequências políticas da ditadura militar 1964/85.
 
Como uma das poucas testemunhas oculares do abandono do Palácio do Planalto pelo presidente João Goulart no início de abril de 1964, quando trabalhava em Brasília para o jornal Ultima Hora, Tavares não enrolou:   
 
“O legado mais perverso da ditadura 1964/85 foi o implante da simulação como método de governo e de comunicação com a sociedade”, disse ele, lembrando que o fenômeno da simulação continua presente no atual cotidiano político brasileiro.
 
Autor de Memórias do Esquecimento, entre outros livros sobre a ditadura, Tavares está desencantado com a situação política brasileira, mas não perdeu a elegância nem a sensibilidade, como se verifica em meia dúzia de frases pinçadas de sua palestra:
 
“Movidos por interesses pessoais ou de grupos, os políticos se sujeitam a marqueteiros como Duda Mendonça, que fez campanha para Maluf e para Lula.
 
“A distorção do jogo político é o maior legado negativo da ditadura. Hoje não se faz política em torno de idéias mas de interesses. Os partidos não têm ideólogos. Alugam suas bases. Os partidos são aglomerados de oportunistas.
 
“Esse faz-de-conta perverso desmantelou todas as verdades. Até hoje muita gente acha que democracia é isso – uma simulação, um jogo de faz-de-conta, uma grande enganação.
 
“No período ditatorial o país cresceu economicamente, mas afundou na falta de respeito aos direitos humanos, algo que se manifesta no ódio latente no país de hoje. 
 
“O ministério é ocupado por mediocridades. Nossos ministros são Xuxa, Ratinho, Faustão e outras nulidades da TV.”
 
 Dividindo a mesa de debates, estava o advogado Jair Krischke, líder do Movimento pelos Direitos  Humanos no Rio Grande do Sul, que aprofundou o tema da simulação ao lembrar que a primeira vítima da ditadura militar foi a palavra. Assim:
 
“O golpe de Estado foi chamado de revolução redentora”
 
Depois, na simulação da luta partidária, criou-se a Aliança Renovadora Nacional (Arena) como partido de situação e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) como oposição.
 
Na hora da renovação dos presidentes da República, os generais escolhiam o candidato militar que, no entanto, precisava ser “eleito” pelo Congresso. Os parlamentares que não se comportassem de acordo com o figurino revolucionário, eram cassados.
 
Por anos houve um terço de senadores nomeados pelos militares em conluio com civis. Eram os biônicos, criados para tentar equilibrar o jogo.
 
As capitais dos estados, os municípios de fronteira ou que possuíssem refinarias, terminais de petróleo ou portos eram considerados áreas de segurança nacional, ou seja, os prefeitos eram nomeados pelas autoridades militares.
 
Mais, lembrou Kirschke: o entulho autoritário continua de pé no artigo da Constituição de 1988 que reproduz integralmente o decreto de 1967 segundo o qual as Policias Militares estaduais são forças auxiliares das Forças Armadas. Estamos ainda sob a égide da doutrina de segurança nacional, que remonta aos tempos da guerra fria, iniciada no final dos anos 1940, como reflexo da rivalidade capitalismo x comunismo.
 
E há uma história que chega aos nossos dias: em maio de 1982, o governador gaúcho Amaral de Souza anunciou publicamente a queima dos arquivos do DOPS. Antes da queima, os papéis foram microfilmados. Os filmes estão no quinto andar do QG do Comando Militar do Sul em Porto Alegre.
 
Aguarda-se o dia em que jornalistas, historiadores e outras pessoas tenham livre acesso a esse material histórico que alcança o Estado Novo (1937/45), o nome oficial da ditadura de Getulio Vargas.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Os meios de comunicação se tornaram caixas registradoras a quem não interessa minimamente a ideia da emancipação nacional”
 
Flavio Tavares, jornalista

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