O mais importante: não existe lá fora!
Acompanhando o processo movido contra a Samarco/Vale-BHP, que cobra a reparação dos prejuízos causados pelo rompimento da barragem de Mariana (MG) às populações dali até a costa capixaba do Atlântico, me pego refletindo em busca da radicalidade do problema.
No Século XVIII, a 1ª Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra, muda para sempre a relação humana com o consumo, conforto e geração de riqueza. No geral, podemos traduzi-la como um incremento para o processo de fabricação manual, até então existente, por meio da velocidade na mecanização devido ao uso do vapor.
A transformação do artesão, que dava conta das necessidades para a vida, em operário, ou operador das máquinas, trouxe uma fantástica velocidade na transformação da natureza para o atendimento às necessidades existentes. Assim, a sociedade agora industrializada, também passa a gerar necessidades novas, incentivando o consumo para movimentar uma nova economia, prática inerente ao capitalismo.
O resultado foi uma sociedade de consumidores retroalimentada pelos industriais, gananciosos e vorazes, ofertando novidades para incentivar o consumo de seus produtos aos consumidores em geral e para o desenvolvimento da sociedade – valendo sempre o alerta do Ailton Krenak: desenvolvimento = (des) envolvimento.
Gosto muito de tomar por exemplo a substituição das sacolas de pão, feitas de tecido que tinham as famílias, pelas sacolas de papel, somadas às de plástico com o pão do supermercado. Na primeira situação, lixo zero e, na segunda, dois produtos industrializados que são lixo após o uso.
Bem, inobstante ao fato de que a humanidade desaprendeu a vida sem os produtos industrializados como: plástico, geladeira, televisão, micro-ondas, máquinas de lavar roupas e louças, carros, etc. existe uma consequência da industrialização que hoje bate a nossa porta: o lixo industrial. Este lixo geralmente não retorna em harmonia para a natureza, muito pelo contrário, ele passa a lhe ser estranho.
Para entender melhor, tomemos como exemplo os rejeitos da Samarco/Vale-BHP. Uma vez retirado o minério da composição natural da terra de um determinado lugar e todo o processo para tal, o que sobra não se recompõe ao terreno gerando a lama, que armazenada, não serve para nada, não tem onde colocar, a não ser em grandes depósitos que acabam lotados e, o pior, no caso Samarco/Vale-BHP, devido a uma negligência gananciosa por lucros, são irresponsavelmente superlotados, têm sua segurança e manutenção mascaradas e acabam dando no que deu.
Antes de comentar a responsabilização objetiva de quem operou, negligenciou e lucrou com o processo, inclusive menoscabando a segurança, quero ainda alertar para o caráter expropriador de toda indústria extrativista como essa do minério. Vale perguntar se é justo que a riqueza natural extraída do território de um povo, valendo para o petróleo, os minerais inclusive preciosos, a água, dentre outros, podem ser explorados para a geração de lucros privados.
Há que se pensar.
Para maior profundidade nesta reflexão, é preciso também uma melhor avaliação quanto à boa ou má utilização desses, agora ditos “recursos naturais” brasileiros. Notadamente o minério de ferro, exportado em pelotas, que acaba transformado em material bélico pelo mundo afora.
Será que é preciso se preocupar com isso ou vale a máxima de que o dinheiro não tem religião nem ideologia?
São muitas questões em jogo, inclusive morais e éticas, que precisamos estar em constante vigília para que nossos interesses maiores, enquanto humanidade, sejam considerados no embate com a selvageria intrínseca ao capitalismo. Contudo, é a continuidade desse nosso modus vivendi que faz o futuro previsível, com o lixo sempre tomando o espaço dos humanos no planeta azul.
A reparação financeira é devida, mas nunca será justa, pois alivia os prejuízos sem jamais compensar as perdas. Então é preciso aprendermos a viver com mais simplicidade e responsabilidade holística, ou nos conformarmos com um futuro sem futuro.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia