Navigare necesse; vivere non est necesse
Muitas das frases famosas que pescamos na Internet não foram escritas pelo famoso envolvido, ou multiplicam seus autores – quem gosta e passa adiante não se dá ao trabalho de pesquisar quem primeiro disse o que foi repetido. Um bom exemplo é navegar é preciso – Lema da Escola de Sagres? Um poema do Pessoa? Uma canção do Caetano? A frase combina com todos e vem sendo adaptada ao gosto de cada um – por isso não dá provas de cansaço, apesar da idade. Quem primeiro disse e a lançou para a história?
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Essa pérola da criatividade humana foi dita pelo general romano Pompeu aos soldados temerosos de viajar para as guerras: Navigare necesse; vivere non est necesse. Séculos depois, a frase foi adotada como lema da famosa Escola de Sagres, criada pelo Infante Dom Henrique. Se uma avançada escola náutica existiu de fato em Portugal é assunto para os historiadores discutirem. No curso primário aprendi que existia e tornou Portugal – um país pequeno e inexpressivo na política europeia – o líder dos descobrimentos que mudaram o mundo. E mesmo se não cunhou a bela sentença, D. Enrique foi feliz na escolha do lema – Navegar é preciso.
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Pessoa também se apossou do tema: “Quero para mim o espírito desta frase / transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.” Pessoa deu um novo sentido à frase de Pompeu, adaptando-a ao nível pessoal. Creio ser essa a razão de sua longevidade: ser maleável e se casar com outros eus. Maria Callas, americana de origem grega, ainda hoje considerada a maior soprano de todos os tempos, poderia ter dito: Viver não é preciso, cantar é preciso. Greta Garbo: Viver não é preciso, interpretar é preciso.
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Combinaria bem com Pablo Picasso, que morreu envenenado por suas tintas – Pintar é preciso, viver não é preciso. João Caça-Votos costumava berrar nos palanques de suas campanhas eleitoreiras: Governar é preciso! Como na velha piada, João prometia mandar construir uma ponte em todas as cidades que visitava, até se deparar com uma cidade que não tinha rio. A turma do-contra protesta, mas uma raposa-velha nunca se atrapalha: Melhor ainda, mandarei construir um rio. Ganhou a eleição, mas a ponte e o rio nunca chegaram à cidade. João se justificava: Navegar não é preciso.
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E assim navegamos rumo ao futuro do Brasil, afogados em desvios de verbas, corrupção desenfreada = florestas queimadas, rios poluídos, moeda aviltada = favelas engordando, violência e insegurança. Vaga sem destino a nau das gerações futuras, com o curso na Faculdade que não garante um emprego, com o emprego que não garante o sustento da família. Viver é preciso! grita o povo, navegando no descaso dos que comandam a nau dos destituídos… Navegar não é preciso, uma vez que já nem temos rios.