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A política do Fla X Flu

Desde que o impeachment da presidente Dilma passou a ser cogitado, o País – que saiu rachado das eleições – manteve-se dividido entre os que classificam como golpe a tentativa de derrubar a presidente sem a comprovação de que houve crime de responsabilidade; e os que acreditam haver motivos de sobra para destituir o mandato da presidente e, de quebra, ainda pôr a principal liderança do PT na cadeia – eliminando, assim, qualquer esperança de Lula retornar ao poder em 2018. 
 
Nos últimos meses foi possível sentir esse clima de Fla X Flu nas ruas e nas redes sociais. A exemplo das organizadas dos clubes de futebol, que agem e reagem às provocações mais com o fígado do que com cérebro, o que se viu foram embates ensandecidos. De ambos os lados, havia pessoas que não queriam ouvir, mas apenas impor suas palavras de ordem: “Não vai ter golpe”; “Fora Dilma, fora PT”… A minoria, que interpretava os fatos com sensatez, tinha receio (e mesmo preguiça) de entrar nessa bola dividida quase sempre de forma desleal.
 
Neste domingo (17) em que os estaduais entram na sua reta decisiva, as atenções não estão voltadas para os campos de futebol, mas para a Câmara dos Deputados. Muitos bares que costumam transmitir as partidas de futebol, já avisaram que hoje a TV estará sintonizada na votação do impeachment. 
 
Para os que preferem acompanhar a sessão histórica no calor das ruas, telões espalhadas pelas grandes cidades do País vão registrar voto a voto a grande e esperada final entre governistas e oposição.
 
Como acontece no futebol em grande derbys, as forças policiais montaram esquemas especiais de segurança para separar as “torcidas”, com direito a revista pente-fino e outros recursos para tentar coibir a violência.
 
Na Explanada dos Ministérios, palco da grande decisão, foi construída às pressas uma divisória que vem sendo chamada de “muro da vergonha” – recurso semelhante ao usado nos estádios de futebol para separar as torcidas, que são tratadas (e se reconhecem) como facções. Talvez fosse mais apropriado, pelo “tamanho do clássico”, o clima de hostilidade e rivalidade das “torcidas”, transferir de vez o “espetáculo” do Plenário Ulysses Guimarães para o Mané Garrincha. 
 
Nas últimas horas, também como acontece nas grande decisões futebolísticas, os dois lados escondem a sete chaves suas  estratégias, que podem mudar a história do jogo. A imprensa especula as “escalações” – quem vota a favor, quem vota contra, os indecisos -, mas os comandantes adversários fazem suspense. Deixam vazar, porém, que está tudo sob controle: estão convictos da vitória, mas não querem baixar a guarda antes do apito final.
 
Só que no jogo de futebol, após um dos times sagrar-se vencedor, além das piadas da segunda-feira que o torcedor da equipe derrotada tem de escutar, a vida segue normalmente, pelo menos até o próximo confronto. Já a decisão que está sendo travada em Brasília, independentemente do placar, vai mudar as vidas dos brasileiros.
 
Se o impeachment passar, vai ter muito gente comemorando a decisão como se fosse a conquista de uma Copa do Mundo, mesmo sabendo que o sucessor de Dilma, que se diz pronto para mudar o País, é Michel Temer, um vice sem carisma, sem popularidade e sem voto, que viu na manobra do impeachment uma oportunidade única para chegar à Presidência da República pela porta dos fundos. 
 
Mais grave, um impeachment conduzido e chancelado por Eduardo Cunha (PMDB). O presidente da Câmara pode entrar para história não por causa do seu currículo de corrupção, com direito a conta secreta em paraísos fiscais etc, mas como o homem que “salvou” o País das garras de Dilma e do PT. Aliás, alguns apoiadores de Cunha já afirmam abertamente que o legado do presidente da Câmara para o País o redime de qualquer acusação. Dentro da lógica: “depois do que Cunha fez pelo Brasil, as denúncias contra ele são fatos menores”. 
 
Esse apoio é sintomático. Um levantamento do site Congresso em Foco mostrou que cerca de 150 deputados são investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em inquéritos que podem virar processos ou em ações penais que já tramitam na corte máxima. Muitos desses deputados que têm pendengas na Justiça votam com Cunha dentro da lógica: “uma mão lava a outra (da corrupção)”.
 
A esperança de que o impeachment vai mudar o País é uma grande ilusão desses “torcedores de ocasião”. Eles acreditam que um “novo País”, comandado por Temer, vai acordar segunda-feira pronta para recolocar os brasileiros na roda do consumo e pôr um ponto final na corrupção.
 
De outro lado, se Dilma vencer, seguirá tendo muita dificuldade para selar um pacto de governança com a oposição, que cresceu nos últimos dias. O governo já não tem o PMDB, PP, PSD, PR e mais os partidos nanicos que debandaram da base governista impulsionados pela onda do impeachment. Já Temer não terá o PT e os partidos mais à esquerda.
 
Independentemente do placar deste domingo, esse é um jogo sem vencedores. A constatação inquietante é que quem vencer, se quiser ter a tão sonhada governabilidade – condição obrigatória para manter as rédeas no sistema presidencialista – terá que pactuar justamente com a banda podre desse sistema político. sabendo, de antemão, que essas rapinas, cada vez mais atrevidas, não jogam por ninguém. Não honram camisas. Jogam apenas pelos seus próprios interesses, em busca de dinheiro e poder. 

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