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A última noite na ópera

Em seus úmidos porões ele se escondia, mascarado, à espera de sua amada Christine…

Mesmo afastado de qualquer contato imediato, social ou anti, já assisti espetáculos inesquecíveis em algumas das mais famosas casas de ópera dos quatro cantos do globo terrestre – o que me espanta: se é rotundo, que cantos são esses? As pessoas me perguntam, com tantos operários mal pagos, alguém ainda vai à ópera? Andando à toa numa noite de ventos e tempestades, sem ter onde cair morto ou vivo, deparo com o barzinho mal frequentado e ousadamente denominado Ópera.

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Frio, chuva, a opção é entrar ou congelar. A vida nos impõe essas ironias: houve um tempo em que fui assíduo frequentador das melhores casas de ópera, assistindo aos mais famosos espetáculos cantados por renomados e bajulados tenores, barítonos, sopranos, mezzo sopranos, e todas as demais vozes descritas nos libretos. Tive mesmo inesquecíveis momentos com algumas intérpretes famosas, mas já esqueci quais, quando e onde. Algumas, porém…

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No La Scala de Milão conheci Babette, mezzo soprano de voz harmoniosa e incrível beleza. Mandei flores, devolveu. Mandei um colar de pérolas legítimas, me ignorou. Já desistindo da conquista, mais por ironia, mandei um Big Mac – caiu nos meus braços. Já tinha ouvido falar, mas não conhecia. O La Scala, na ativa desde 1778, tem uma singularidade que as outras óperas não têm – uma galeria onde se aglomeram os mais cruéis fãs de ópera do mundo – mesmo não sendo profissionais, eles podem destruir ou glorificar a carreira de um artista.

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Sem falsa modéstia, confesso ter feito parte dessa elite. Eu estava lá em 2006, quando vaiamos um tenor francês, que cometeu um falsete. Ofendido, ele deixou o palco, e foi substituído por um principiante que nem teve tempo de trocar de roupa – cantou a Aída de jeans e camiseta. O Teatro San Carlo, em Nápoles, construído em 1773, é a mais antiga casa de ópera continuamente ativa na Europa. Ali me apaixonei pela soprano Carmella Austi que cantava La Gioconda. Ah, Carmella, mnha Gioconda, que saudades dos nossos brioches com chá de amêndoas no final das apresentações! Foi-se, como tantas outras que amaram mais o meu dinheiro do que a mim.

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Paris dos bulevares…=O belíssimo e imponente Ópera Garnier, construído em 1875, tem um lustre de cristal que pesa sete toneladas. Imagina-se a conta de luz! Esse teatro é o cenário da peça mais famosa do mundo – O Fantasma da Ópera, com o maior tempo de exibição na Broadway e em cartaz até hoje. Em seus úmidos porões ele se escondia, mascarado, à espera de sua amada Christine Daae. Também amei uma Christine, que me deixou por um vendedor de enciclopédias. Não lembro se minha Christine cantava ou faxinava os banheiros. mas fazia um incrível camarão na brasa. Coisas da vida – já não compramos enciclopédias e nem posso me dar ao luxo de comprar camarão.

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Brasil sem memória: O Guarani, de Carlos Gomes, foi apresentado no Scala em 1870. Em 1996 essa obra esquecida pelos brasileiros foi cantada na Ópera Nacional de Washington, com nosso Peri na voz de Plácido Domingo. Duas interpresentações do dueto “Sento una forza indomita” foram incluídas nas gravações de Francesco Marconi: uma em 1908 e outra em 1914, essa cantada por Caruso e Emmy Destini. Que outra ópera brasileira correu os melhores teatros do mundo? Carlos Gomes morreu pobre e doente, como muitos outros famosos. Desta vez por miudezas políticas: era amigo de D. Pedro, o 2. A república chegou em péssima hora para Carlinhos. Mas a Emmy…quando foi mesmo que ela me deixou?

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