Em casa de ladrão, quem mais rouba é rei
No tempo da terra parada e do sol girando, tinha uma menina que roubava livros, tinha ladrão que roubava ladrão. Roubaram até o trem pagador, se é que trem paga alguma coisa a alguém. E tinha uma velha que roubava biscoitos. Mais de 90 anos bem ou mal vividos, que essa conta a gente acerta com Deus no final da linha. Os dentes, coitada, já tinham sumido ainda antes dos 60. Quando os biscoitos começaram a desaparecer na calada da noite, não foi preciso contratar um sherlock para investigar o delito – Só pode ser a Vó Virada, decidiram todos.
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Assim a chamavam: Vó porque era velha, não era avó de ninguém. Virada porque o nome era Viana, e andava de há muito com a cabeça mais pra lá do que pra cá. Só comia biscoito molhado no leite, quando tinha leite. Caldinho de feijão, quando sobrava feijão. Julgada e condenada sem direito a defesa, embora em casa de ladrão quem mais rouba é rei. Pois não estavam lhe roubando a parca aposentadoria? Nem sabia mais o nome do banco onde o benefício era depositado todo mês. Vó Virada, assina aqui nessa linha. Que linha? Assina em qualquer lugar.
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Que coisa! diria o falecido, se vivo fosse. Já lhe roubaram o colchão, e tinha que dormir na esteira, no quarto da empregada. Não sabe porque tem esse nome se é a dona da casa. Não sabe nem quem são essas pessoas que moram com ela, ocupando os dois quartos, comandando a cozinha, dominando o fogão e a geladeira. Vó, seu jantar. Biscoito outra vez? Num tem uma sopinha? Um caldo de galinha? As risadas: Xi, a velha caducou de vez. Banho sem sabonete?
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Ladrão é o que rouba pouco. Excelência é o que manuseia gordas verbas, superfatura, confisca bilhões em causa imprópria. Quem dá aos pobres empresta a Deus. E quem tira dos pobres? O roubo é inerente ao cargo público, benefício oculto e indeterminado – Que existe, existe, mas de onde vem e para onde vai? Assumiu e já vai investigando onde estão as brechas do sistema. Nem todos, mas precisamos da lanterna de Diógenes para detectar um honesto no meio da seara. Agulha no palheiro.
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O bancário Josué das Mercedes levou anos confiscando um mísero centavo da conta de cada cliente do Banco Bondoso – Um centavo não faz falta a ninguém, diz o provérbio. Não compra nem um grão de feijão, ele justificou quando foi descoberto. Tarde demais: já estava rico, tomando banho de mar numa ilha do Caribe. Vó Virada, sozinha no mundo, sem ninguém que cuide de seus exíguos interesses, roubava biscoitos porque passava fome. Eles pararam de comprar biscoito.
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A velha não estava tão virada assim. Aguentava tudo calada, mas quando faltou biscoito, saiu de mansinho, madrugadinha chegando. Andou, andou, chegou na delegacia de polícia. O doutor delegado era uma dessas raras pessoas que ocupam cargo público e não roubam de ninguém. E tem o bom hábito de ouvir as queixas dos pobres.