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​A verdade nas brincadeiras

A vida no chão do mundo é o principal ingrediente do folclore

Desde a utilização da tragédia como elemento facilitador da catarse, remontando à Grécia antiga, até a significação dos mitos, lendas e histórias relevantes nas tradições orais, a busca da expressão, abstrata e significativa, do mundo, é transmitida de uma geração a outra no natural movimento educativo humano. O que as camadas mais “privilegiadas” da população têm a oportunidade de acesso por meio do teatro, do cinema, dos grandes espetáculos, etc. as camadas mais populares acessam por meio do folclore e das manifestações culturais.

Nas manifestações folclóricas, os brincantes expressam tristeza, saudade, remorso, resistência, gratidão ou revolta em relação a suas histórias, em tom de alegria. É claro que em nosso mundo de devir, nem sempre tais situações são apropriadas à atualidade e, não faltam olhares atentos e (preciso dizer) pouco compenetrados, para rechaçarem o folclore por expressar situações já superadas pelo desenvolvimento sócio intelectual humano.

Se atentarmos para os fundamentos das brincadeiras, perceberemos que nesse espaço de expressão alojam-se todas as emoções relativas a momentos do cotidiano passado das pessoas, com eventos e fatos, que em algum momento, permearam suas realidades e deram forma às brincadeiras.

Na história do Brasil, o sincretismo religioso pode servir de exemplo vivo de adaptação resistente, tanto do povo escravizado, para seu exercício religioso, quanto do colonizador para manutenção do “status superior” no domínio da instituição religiosa.

Aqui no Espírito Santo, percebo que nas cantigas do Congo, soa apavorante a “(…) saudade da fazenda o sinhô”. Uma vez que quem tem senhor é quem é escravizado, ter saudade desse tempo é quase uma agressão, mas não espanta se buscarmos o nexo no momento de construção da toada. Talvez o negro sem-terra e aglomerado nas favelas, feitas novas senzalas e passando grandes necessidades, tenha tido mesmo saudade do cativeiro.

Como se sabe, é sempre bom estar atento de que as grandes verdades, muitas vezes, são ditas em tom de brincadeiras, e também que a busca da verdade na história oficial, é geralmente feita por meio dos documentos produzidos nos tribunais e fóruns, que revelam uma história contada pelo ângulo do dominador, já nas artes, principalmente as populares, a história é bem outra.

Fomentar a preservação de grupos e dar visibilidade ao folclore é de grande importância para a desconstrução de verdades convenientemente construídas, preservação de memórias, identidades, resistência e luta do povo simples e humilde, que é ainda mais humilhado com o apagamento de sua história.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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