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Antes tarde do que nunca

O jardim sem o ocasional jardineiro degenerou: folhas secas caindo, dançando ao sabor do vento, flor nunca mais brotou

O jardim está abandonado. Pudera, era a única tarefa que ele considerava digna de seu currículo: cuidar do jardim, que aliás nem merece esse pomposo título: pequeno, espremido entre o muro e o muro – pouco sol, poucas flores. Ela comprava as mudas para serem transplantadas, e tudo o fazia lembrar de coisas tristes: Mamãe tinha essa folhagem no quintal; vovó plantava isso na entrada da casa, pra proteger de mau-olhado – espada de São Jorge.

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Carlota não gostava da planta, não acreditava em mau-olhado nem em nada que curasse o que não existe. Comprou porque o nome dele era Jorge – ainda é, não acredito que tenha mudado – e porque a avó dele falava no poder protetor da planta. Por isso que a mãe te chamou de Jorge? Pois num nasci no dia do santo? Qualquer outro nome teria ofendido meu santo protetor, dizia. Carlota nasceu no dia de Santa Norentina, imagina se lhe impunham tal nome. Ele avisava – Num zomba dos santos, mulher. Tanto zombou que ele se mandou.

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Nome é assunto complicado. Veio a primeira filha e ele queria que se chamasse Jordânia, a santa do dia. Expliquei que não era nome de santa, ele insistiu – Tá aqui no almanaque, então existe. Acabamos num meio termo, Jorlana. A menina já fez 50 e ainda reclama do nome. Se eu não cedesse, estaria sem nome e sem batismo até hoje. Quando veio o menino teimou que devíamos juntar os nomes – aquelas famigeradas dobradinhas que sempre dão resultados ridículos: Romeu e Julieta, se não morressem de forma tão idiota, a filha se chamaria Rometa. Ou Roleta? Nosso filho se chamaria Carlorge. Pior se ela casasse com um Mario: Marmota.

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Março 19: dia de São José, protetor dos pais, bons ou maus. Deus o fez “o pai de muitas nações”, mas os evangelistas não registraram uma só palavra que tenha dito. Na gíria atual, diríamos que José entrou mudo e saiu calado. No entanto, deu abrigo e apoio a uma mulher em estado vulnerável e ao filho que ela gerou. Mesmo tendo dúvidas, apoiou e protegeu. Quando foi necessário, fez o que devia ser feito. O dia dos pais deveria ser o dia de São José.

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O jardim sem o ocasional jardineiro degenerou: folhas secas caindo de galhos secos, dançando ao sabor do vento. Flor nunca mais brotou e as trepadeiras parecem varizes enroladas nas estacas, retorcidas e ressecadas. Os filhos sem pai se deram bem na vida – não lhes fez falta. Quando souberam que o pai sumiu no mundo, nenhum espanto, nenhuma reação de dor ou perda. Já foi tarde, diz o jargão popular. Carlota pega o ancinho, a pá, a luva, o regador…antes tarde do que nunca.

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