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Artefatos obsoletos

Muitos acham que devemos construir pirâmides de máscaras para resistir ao passar dos séculos, como nas areias do Egito

Efeito colateral do nosso atual inimigo público número um, vemos um novo poluidor invadir a paisagem já tão maltratada, coitada: as máscaras faciais. Por toda parte, ruas e avenidas, terra e água, canteiros e sarjetas, no céu, no mar, no ar. De todas as cores e tipos, elas jazem esquecidas, perdidas, descartadas, ignoradas, abandonadas. A pandemia não acabou ainda, e já sabemos como será quando finalmente dermos adeus a esse pequeno artefato que salvou muitas vidas e produziu muitos bilionários.

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Passada a tormenta, que fim daremos a elas? Os cautelosos sugerem que devemos continuar usando, indefinidamente. Outras epidemias e pandemias poderão ser evitadas com o uso de um pedacinho de pano no rosto. E economiza na maquiagem. Muitos acham que devemos construir pirâmides de máscaras descartadas, devidamente tratadas para resistir ao passar dos séculos – como nas areias do Egito. Para que as gerações futuras não se esqueçam e tenham mais cautela do que tivemos.

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Os que estão faturando com a fabricação de máscaras acham que elas devem entrar definitivamente na moda, como acessório indispensável, trazendo também de volta as luvas. Não as de plástico, claro, mas as elegantes, de tecido. Cores combinando. Felizmente os fabricantes de carros não descartaram esse pequeno compartimento no lado direito do painel, que doravante será cognominado porta máscaras e luvas. Ou simplificamos para PML. Não confundir com Prefeitura Municipal de Linhares.

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Se estiverem armazenando os estoques necessários para essa nova virada em nossos hábitos, evitaremos que esse pequeno compartimento revele constantes e inesperados problemas para os incautos e distraídos. Essa semana me liga a Riana, chorando em desespero. Pensei que tinha pego o vírus, mesmo estando refugiada com o namorado Eulio Agular em uma ilha paradisíaca, sem inverno e sem pandemia. Felizarda, os apressados dirão. Nem tanto.

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Pois revirando – sem segundas intenções, porque não é ciumenta – o porta-luvas do carro à procura de um simples alfinete, Riana encontra requintado envelope com um elegante convite para algum evento que acabou sendo cancelado, desnecessário dizer o motivo. Devia ser casamento, porque os nomes dos destinatários estavam grafados em primorosa caligrafia: Senhor e Senhora Eulio Agular.

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Riana e Eulio juntaram os trapinhos há três anos, mas não se casaram. Portanto, ninguém os chamaria de Senhor e Senhora Eulio Agular. Subsequente interrogatório: Você disse que sua mãe morreu há alguns anos. Sim, se fosse viva você a conheceria. Alguma irmã, cunhada? Eulio se espanta, Você conhece minha vida como ninguém, querida. Sou um livro aberto, não guardo segredos para você. Então quem é a Senhora Eulio Agular aqui neste convite?

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Eulio empalidece. O convite voa no ar em direção ao nariz do estupefato Eulio. Fabricado em puro pergaminho, o pesado envelope atinge o alvo e arranca um pedaço. O sangue jorra. Pensa que Riana se apressou a pegar a água oxigenada, o mercúrio cromo, ou pelo menos um band aid, como sempre fazia em outras brigas? A mala de roupa também atirada com precisão atinge o braço direito, que precisou ser engessado. Meses de terapia.

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Muitos casos semelhantes ocorrem no nosso cotidiano, com ou sem pandemia ou corrida ao Pronto Socorro. Um brinco ou um batom esquecido no obsoleto compartimento onde outrora ficavam as imprescindíveis luvas. Hoje guardam provas cabais de muitos crimes. Aurea e Gino devidamente mascarados iam de carro ao supermercado, quando um celular toca…Onde? No porta-luvas? Ambos correm para atender e Gino ganha a disputa. Que telefone é esse? o marido estranha. Mensagem: Perdi meu celular. Se você achou, peço chamar 3444… Será bem recompensado. Não disse o nome, mas a voz era bem conhecida de ambos. Como foi que o telefone do Mário Mariola veio parar no porta-luvas do seu carro, Áurea?

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Áurea tenta explicar que achou na academia e ia devolver, mas acabou esquecendo. A academia está fechada há seis meses, Áurea Maria, e só agora esse sujeito deu pela falta do celular? Como vemos, se o famigerado porta-luvas tivesse sido abolido quando aboliram as luvas, ou se estivesse lotado de máscaras faciais, muitos divórcios e desgastes emocionais teriam sido evitados.

Máscara facial: os valentes também usam.

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