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As ficções de Borges

 

Jorge Luís Borges foi um dos maiores expoentes da literatura argentina e latino-americana, atuou como escritor, poeta e ensaísta, dentre outras coisas, e se destacou no que se chama de literatura fantástica. Sua obra literária foi mais reconhecida em duas áreas: contos e ensaios. Ele deixou duas obras principais de contos: Ficções e O Aleph.
 
Na obra Ficções, seus contos seguem o filão da literatura fantástica, onde temos estórias fictícias que se revestem de um modo de escrita que nos faria crer que Borges fala de coisas reais, se não fossemos advertidos de que as informações ali contidas são todas do universo ficcional. Os contos que compõe a obra Ficções vêm confirmar a criatividade de Borges de simular certos dados como se fossem legítimos, o que dá um caráter único aos seus contos fantásticos.
 
Da edição de Ficções que tenho em mãos, vários contos se destacam como fonte de reflexões e que têm uma composição complexa, formando um universo de conhecimento, embora se trate, como diz o título do livro, de ficções. Desses contos maravilhosos, destaco dois: Pierre Menard, autor do Quixote e A Biblioteca de Babel.
 
No conto Pierre Menard, autor do Quixote, Borges começa o conto fazendo de seu personagem Menard um romancista, e feito isto, primeiro enumera a obra visível de Menard, uma enumeração que não chega e ser enfadonha, mas que prepara o terreno para o tema do conto: a reescritura do Quixote de Cervantes, o que se torna um empreendimento histórico e também um tanto difícil, mas Borges considera a tarefa possível nas mãos de seu fictício Menard. A parte de Quixote, em Menard, se torna a parte mais importante de sua obra, “a subterrânea, a interminavelmente heroica, a ímpar.” (Borges, Ficções) E é nessa empreitada literária que Menard realiza um feito, ele se projeta do século XX ao XVII de Cervantes. 
 
Mas, para Borges, Menard supera Cervantes, o que foi escrito antes por Cervantes, se torna mais grandioso e complexo na versão de Menard, que afirma: “Meu propósito é simplesmente assombroso”. E Borges, por fim, resume um dos sentidos deste conto: “… a verdade, cuja mãe é a história, êmulo do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.” Este trecho está igual em Cervantes e em Menard, mas o que Menard realiza é, segundo Borges, o impossível, Menard é Cervantes.
 
Num dos contos mais famosos de Borges, A Biblioteca de Babel, temos uma estória que é, na verdade, sobre uma utopia, ou seja, a de uma biblioteca que abarcasse todos os livros do mundo, e não só, que tivesse nela toda a sabedoria humana, uma utopia que busca uma linguagem universal, mas que esbarra na desordem de Babel.
 
No jogo de espelhos dos hexágonos desta biblioteca fictícia, Borges procura um alfabeto universal, busca a Ordem, mas o que é visível é a desordem, as combinações infinitas, e não uma noção universal de todos os saberes através de uma “obra completa do mundo”. O paradoxo deste conto de Borges é este: podemos ter um instrumento universal de linguagem, as letras são finitas, mas a grande dificuldade de tal projeto (utopia) é realizar o intento de tudo reunir num lugar que, para Borges, se configura como infinito, o que é nada mais que a infinitude do universo. E, uma vez que para o entendimento da vida, julgo eu, não podemos resumi-la através dos livros, ficamos no mesmo círculo existencial de toda a vida humana, num linguajar vulgar: “a cobra morde o rabo.”
 
A estrutura caótica da Biblioteca de Babel, em que se busca uma chave universal de conhecimentos ou sabedoria em vão, é mais um labirinto de toda a experiência humana, a utopia só funciona como ideia, não como realidade, e esta ideia só pode mesmo se fundar em ficção, o que em Borges se torna um de seus contos mais famosos. Tudo se conclui, então, no último parágrafo do conto: “A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajor a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem).”
 
O que fica deste livro de contos de Borges, Ficções, é que lendo seus contos temos um tanto de imaginação que, paradoxalmente, se disfarça de verdade, se conduz como um tipo de conhecimento, e talvez aí esteja a lição de sabedoria em Ficções: nem tudo que parece, é. Mas, como numa ficção tudo é o que se parece, temos uma verdade literária em Borges, ainda que, enquanto realidade, seus contos são fruto de uma imaginação engenhosa.
 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor. Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com 

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