Jane Austen nasceu em 16 de dezembro de 1775, em Steventon, Hampshire, Inglaterra. Viveu pouco, pois morreu com apenas 41 anos de idade. Criada numa família que incentivou seu talento literário, desde cedo investiu seus esforços nesta empreitada que, por sua vez, começou a dar certo por volta de 1810 e 1811, com a publicação de Razão e Sensibilidade. Mas, o sucesso arrebatador veio com a publicação do romance Orgulho e Preconceito em janeiro de 1813. Portanto, neste nosso ano de 2013, se comemora os 200 anos deste romance, que era a imagem de uma Inglaterra provinciana do final do século XVIII, um país que estava dentro de uma grande transformação com a Revolução Industrial, mas que, ainda, guardava códigos sociais da nobreza e da burguesia nascente, no meio agrário inglês.
Jane Austen é considerada, por muitos, a maior escritora de todos os tempos, com milhões de fãs por todo o mundo. Sua escrita concisa, sem floreios, sem a faculdade descritiva excessiva em que pecam muitos escritores, talvez até pela miopia da romancista, coloca Austen no aprofundamento psicológico de uma visão interna de personagens que não são definidos de antemão, mas sim no desenvolvimento do enredo romanesco, pois Austen tinha esta qualidade de determinar o caráter de um personagem mais pela ação. Esta mesma ação é, por sua vez, carregada de significados de personalidade para seus personagens, mas sem colocar, tanto a descrição objetiva de ambientes, como a descrição psicológica em si, como métodos de sua escrita. A descrição, em Austen, dá lugar a uma ação definidora da psicologia dos personagens em função da estória. Ou seja, é o enredo que traz as características dos personagens, e não prévias pontuações do caráter dos mesmos.
Austen retratava a sociedade em seus tipos medíocres, no ridículo dos hábitos. A vaidade e a tolice de burgueses e nobres ficava evidente nos escritos de Austen, um mundo de aparências era desvelado e examinado dentro de sua própria dimensão, a crítica direta não aparecia, ela era feita na simples demonstração de hábitos e comportamentos que falam por si. Austen não se dá ao trabalho, portanto, de fazer uma crítica da sociedade no sentido usual, sua crítica era a simples enumeração dos costumes, sem tachá-los, só mostrando-os. Os encontros familiares eram verdadeiros enredos da futlidade reinante num mundo provinciano e alienado, aonde a convenção poderia resguardar ardis da mais profunda hipocrisia. O jogo social tinha o medo individual escamoteado por uma moral de códigos de conduta conhecidos e previsíveis.
Falando, agora, da obra Orgulho e Preconceito, que completou 200 anos de sua primeira publicação neste nosso ano, e que é uma das principais obras do classicismo inglês, esta tem como protagonistas Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy. Estes dois são duas criaturas literárias complexas e completas. Pois, em Austen, temos uma obra digna de uma literatura universal. Elizabeth é a segunda filha de cinco filhas, que tem a mais velha Jane, e mais outras três mais novas, incluindo aí, a desmiolada Lydia. Elizabeth é filha de Mr.Bennet, uma criatura irônica, num casamento precário com Mrs. Bennet, que, por sua vez, quer garantir casamentos para as filhas, pois sabe que a propriedade da família, em Longbourn, será herdada pelo sobrinho de Mr. Bennet quando este morrer, já que Mr.Bennet tinha cinco filhas e nenhum filho homem.
Os personagens de Austen lutam pelo amor, contra as regras sociais da época, dos casamentos de conveniência, arranjados e negociados em família. E, embora as estórias de Austen sejam todas sobre relações familiares, noivados e casamentos, a romancista passa longe de um tom meloso, o que poderia advir de tal temática, naturalmente. Em Austen, reina uma certa objetividade, não há derramamentos apaixonados, tudo se mantém num tom sóbrio e racional, o que irá refletir na relação complexa, em um jogo de tensão, de argumentos sólidos, entre os protagonistas, Elizabeth e Mr.Darcy, estas duas criaturas literárias, de alto quilate, que amam, e que se descobrem amando um ao outro, mas sem qualquer sinal da afetação de enamorados comuns.
A economia literária de Austen passa, portanto, tanto pela ausência de descrições enfadonhas de ambientes, como pela colocação dos sentimentos do amor no contexto em que se dá suas estórias, colocação que passa o caráter de cada personagem, mais do que o arrebatamento de paixonites imaturas. A maturação da relação Elizabeth- Mr.Darcy se dá na complexidade de um jogo de reconhecimento mútuo, sem o alarde da precipitação, mas com a certificação de um ao outro que se confirma na união dos dois, ao fim do trajeto, recheado de contradições, e que, enfim, são superadas num consenso firme de intenções.
O pano de fundo do romance Orgulho e Preconceito é o da aristocracia rural inglesa, com burgueses e jovens nobres, dentro de uma sucessão de jantares, bailes e chás, que, portanto, podem denotar o caráter monótono da temática de Austen, embora haja qualidade literária de quilate universal, sobretudo na construção dos personagens, e numa boa qualidade dialógica, o que, por outro lado, facilitou muitas das adaptações de obras de Austen para o cinema, por exemplo.
Talvez, e esta ressalva deve ser feita, a monotonia da temática seja justificada ao olhar já viciado da modernidade. Pois, o que Austen escreve, era retrato de uma época e de um lugar específicos, com todo o vazio que uma vida provinciana pode comportar. E a própria vida de Austen não teve grandes eventos, mas isso não a impediu de aprofundar o caráter de sua própria época, e este é o mérito de Austen para a posteridade. A temática nos parece banal ao preconceito moderno, mas, não há falta de profundidade em sua obra, este é o paradoxo, e o olhar moderno só pode mesmo ter o referencial histórico para não diminuí-la. As obras de Austen são respeitadas em todo o mundo. A universalidade, em Austen, se sobrepõe ao mundo oco do provincianismo inglês de sua época, qual é o tamanho de sua percepção desses limites, e que referendam suas estórias.
A riqueza, em Orgulho e Preconceito, está nos personagens, vazios e provincianos em si, mas que, ao menos nos protagonistas, estes sobram em complexidade. A ambiguidade do orgulho, em Mr.Darcy, leva Elizabeth, à primeira impressão, a refutar possíveis qualidades naquele homem. Então, tudo piora, na sua ilusão da estorinha chorosa de Mr.Wickham, que difama a reputação de Mr.Darcy, a deixando convencida do caráter duro e orgulhoso de Mr.Darcy, o que, no decorrer dos acontecimentos, cai por terra, ao fim do trajeto do romance, e toda a consideração de Mr.Darcy em relação à Elizabeth se demonstram sinceras, e é aí o ponto de inflexão que redime Mr.Darcy aos olhos críticos de uma profunda Elizabeth.
O humor e a comicidade, no romance, ficam por conta do pai de Elizabeth, o Mr.Bennet, que pontua suas falas com ironia, e até uma despreocupação imprudente, em comparação ao desespero da própria esposa, e a afetação caricatural do primo de Elizabeth, o Mr.Collins. A cumplicidade das duas irmãs, Jane, a mais velha, e Elizabeth, a segunda mais velha, também é um nexo importante de todo o romance. As duas são as irmãs que pensam, enquanto as outras três irmãs são influenciadas pela irresponsabilidade da mais nova, Lydia, que chega a fugir com Mr.Wickham, até que os dois são encontrados, depois de alguns contratempos. Mary gosta de ler, e Kitty reflete Lydia. Charles Bingley é um dos melhores amigos de Mr.Darcy. Bingley tem um caráter leve em comparação com os gestos duros de Mr.Darcy, que, por sua vez, dissuade Bingley de se casar com Jane, o que deixa Elizabeth furiosa com Mr.Darcy por um bom tempo, sendo, ainda, alimentada pela estória falsa de Mr.Wickham em relação ao mesmo Mr.Darcy. Jane, a irmã mais velha de Elizabeth, tem um caráter condescendente, tende sempre a amenizar as desconfianças de Elizabeth. Jane tenta ver o lado bom de cada um, antes de julgar negativamente. Este caráter bondoso, e até inocente, de Jane, conduz seu trajeto junto com Elizabeth, que é o contraponto de resistência em relação às ideias de Jane, pelo romance, como um bom equilíbrio entre ela e Elizabeth, formando outra dualidade interessante no romance.
E duas dualidades se compõe ao final, com o retorno de Mr.Bingley, e seu casamento com Jane, e a união amorosa de Elizabeth e Mr.Darcy, uma união forte dos dois protagonistas, que são, não por acaso, os personagens mais ricos e complexos de Orgulho e Preconceito. Aqui, deixo duas definições possíveis ao romance de Austen: Elizabeth como o senso crítico, e Mr.Darcy, como a ambiguidade, em gestos que escondem uma constância de caráter admirável, que pode, muitas vezes, ser levada por uma aparência arrogante e orgulhosa, o que ilude a própria Elizabeth por um tempo, até reconhecer nele um mundo muito maior do que a aparência hipócrita das convenções familiares. O orgulho de Mr.Darcy era um preconceito de Elizabeth, agora os olhos veem e tudo é claro, Mr.Darcy tem uma clareza essencial, à qual o mesmo senso crítico de Elizabeth tem que dar seu veredicto positivo, depois de tudo.
Termino aqui, com uma citação do romance Orgulho e Preconceito, sobre o orgulho: “o orgulho – observou Mary – é um defeito muito comum, , creio eu. Por tudo o que tenho lido, estou mesmo convencida de que é muito comum que a natureza humana manifeste uma tendência muito acentuada para o orgulho, que são pouquíssimos os que não alimentam esse sentimento, fundados em alguma qualidade real ou imaginária!”
Gustavo Bastos, filósofo e escritor
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