Vi você na televisão, no jogo do Flamengo, todos sem máscara…
O sujeito sumiu. Se fosse gramática, diríamos que está oculto, mas pode ser determinado. Na vida real as coisas são mais complicadas – amor se mantém com atenção e cuidados. Flores e chocolate são importantes, mas não obrigatórios. Ana Maria mandou recados: por emails (10 ao dia), Twitter, Instagram, mensagem de texto ( uma a cada meia-hora), WhatsApp, mensagens no telefone fixo e no móvel, cartas e cartões pelo correio. Três meses depois –
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Ana Maria, amor, que saudade! Eleutério? Não acredito. Morreu, foi sequestrado ou perdeu a memória? Três meses sem dar notícias! Ah, princesa, ando muito ocupado, sem tempo pra nada. Isso de home office é a maior fria, trabalho em tempo integral. Ana Maria não está com paciência para desculpas esfarrapadas – Não podia dar pelo menos um telefonema? Ele: O celular ficou sem carga…Três meses com o celular descarregado? Desculpa, Aninha, você sabe como sou distraído. Fora o mau humor, tudo bem com você?
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Perdi um dente e vou ter que fazer implante, tive uma redução drástica de salário, tia Eulália morreu de Covid, mamãe tá com hepatite D, meu irmão foi atropelado, perdeu um pé, meu tio que atropelou tá na cadeia, não prestou socorro…não percebeu que era o sobrinho, pudera, ele mudou de sexo, agora é minha irmã…O quê? Tá falando daquele peso-pesado, o Marcão? Mudou de nome também, agora é Marcinha. A outra irmã tá fazendo quimioterapia e meu pai está no hospital com hérnia de disco…fora isso, tudo bem. Tá vendo porque não ligo? Você só fala em tragédia.
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Três meses sem dar notícias e quer ouvir o quê? Vi você na televisão, no jogo do Flamengo, com sua turma de irresponsáveis, todos sem máscara. Era eu não…ah, fui sim, foi festa de fim de ano do escritório, presença obrigatória. Ela: Cansei, Eleutério, lembrou do meu aniversário? Nem sei como classificar esse relacionamento – vejo você menos do que boneco de Papai Noel. Some e não lê meus emails, não manda carta nem mensagem de texto. Casou e não me convidou? Ele: Casar, eu? Só com você, Aninha, mas tem que ter paciência, não sou do tipo que anda grudado, mandando recado o dia todo. Cansa, né?
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Um caso típico de incompatibilidade de gênios: ela é uma romântica incorrigível: um casal tem que andar grudado, e quando não está junto, tem que manter o contato virtual. Eleutério não gosta de cabresto: não manda flores nem traz caixinha de bombom, não copia frases românticas no Google para as mensagens de texto. Enfim, um chato, mas tem lá seus atributos – bem apessoado, generoso nas despesas – nas raras vezes que leva Aninha a uma pizzaria, paga a conta sozinho. É capaz de se manter incógnito por três meses, mas é sincero: amigos muitos, mas namorada só a Ana Maria.
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Escuta Eleu, cansei. Adeus é para sempre. Pera aí, Aninha, faz isso não. Eu te amo, gata. Sou meio distraído, esqueço de carregar o celular, não lembro o dia do aniversário, mas sou sincero e bem intencionado. Aninha encurta o discurso: Seguinte, vou dar três meses de aviso prévio, se não aparecer ninguém mais qualificado, a gente volta a se falar.