Enquanto o Presidente definha (falo do edifício, gente), o Britz continua vivo na lembrança
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Tinha a capa de chuva para andar na rua e o guarda-pó pra viajar de trem. Aquelas fagulhas dançando ao vento provocaram muitos incêndios nas florestas e plantações. Tinha o Leite de Rosas, o Leite de Colónia, o creme Rugol – adeus rugas. A Pasta Kolinos era um koringa com suas mil e uma utilidades muito antes do bombril: curava qualquer problema de pele, feridas teimosas e machucados ligeiros, acabava com as espinhas, coceira e mordida de mosquito; cobria buracos na parede, e colava objetos quebrados, desde que fossem brancos. Saiu do mercado por acusações de racismo.
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O Centrão de Vitória teve a honra de abrigar o maior e melhor prédio do estado: o Edifício Presidente, nos tempos em que morar no Centro era o must. Belo e imponente, ali moravam os ricos, os importantes e os políticos da vez. Que, no entanto, viviam em guerra declarada com os habitantes do Bar Britz, na outra esquina. O Britz dispensa apresentações – ainda não foi esquecido. Enquanto o Presidente definha (falo do edifício, gente), o Britz continua vivo na lembrança de seus antigos acólitos. “Templo do vício e do pecado”, diziam os Presidenciáveis; “Asilo de velhos”, diziam os aficionados da geladinha do Britz.
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No tempo em que os coronéis mandavam, é de se espantar que os moradores do Presidente não tenham conseguido fechar o Britz, que animado noite adentro, incomodava o sono dos poderosos na outra esquina. Bateu muita polícia por lá, mas o bar fechou por conta própria: os bons tempos se mudaram para a Praia do Canto. Confesso que morei no Presidente, mas quando já não era o mesmo: tinha um açougue no térreo; e nunca entrei no Britz, mas admiro a lenda.
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Numa tarde tranquila, com boas previsões meteorológicas, Josias encontra por acaso o amigo Golias no Centro de Vitória. Hoje senhores respeitáveis, foram outrora assíduos frequentadores do famoso bar e vão tomar uma cervejinha pra lembrar os bons tempos. Golias aponta para o solene edifício em frente: Comprei um apartamento nesse prédio. À vista. Tô envolvido num esquema com o governo, faturando milhões! Josias fica impressionado, a corrupção naqueles tempos era só de 5%.
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Os bons tempos tinham disso: acreditar nos amigos – gente que eu conheço não mente. Não sei quando isso começou, mas a moda atual é não acreditar em ninguém. Acho que é um modismo imposto pela Internet, pois toda novidade tem um lado bom e um lado trágico. Político, então! Nos bons tempos jurava-se em cima de um fio de cabelo, mas os carecas acabaram com essa mania.. No Britz, juravam sobre um copo de cerveja. Vira, vira, vira…virou!
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Lembrando os bons tempos, Golias esquece que tem que ir ao banco fazer um depósito. Lembrou na hora do banco fechar, e como o amigo estava de carro, ofereceu pra levar. Em lá chegando, Golias se desespera: Cadê a carteira? Não dá tempo de voltar, o banco tá fechando. Josias empresta a quantia necessária – um bom dinheirinho, mas nenhuma fortuna. Quando voltam o Golias explica: Vou lá em cima pegar o dinheiro, volto já…
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Dizem que quem espera sempre alcança, outra ilusão habitual nos bons tempos. Josias espera…e espera. Por fim, já anoitecendo, vai falar com o porteiro vestido com o uniforme do general da banda – Qual o andar do Golias? O porteiro pigarreia, Tem Golias aqui no prédio não, Doutor. Nos bons tempos, bastava vestir terno pra ser chamado de doutor. Josias insiste: Ele entrou no prédio e não saiu, estou aqui na porta há mais de uma hora…o Porteiro pigarreia mais alto: Pois então, esse prédio tem outra saída pra rua de traz.
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Naqueles tempos, um prédio com entrada (ou saída) para duas ruas era o luxo! Dinheiro emprestado e nunca devolvido tinha ontem como tem hoje, mas tem também suas vantagens: você nunca mais empresta dinheiro pra ninguém. Assim, pode ficar livre de uma facada maior no futuro. Os bons tempos acabaram ou estamos muito ocupados pra procurar? Posso estar errada, mas cada um põe os bons tempos onde bem entende.