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Burocratas insensíveis

A Praça Costa Pereira, no coração de Vitória, foi palco do processo de verticalização da cidade, iniciado no final da década de 1940. Vizinho ao Carlos Gomes, despontou o imponente Presidente Vargas. Com 13 andares, a edificação de 1951 ocupou oposto de arranha-céu mais alto da Capital, superando os edifícios do Sindicato dos Operários Estivadores de Vitória, com sete pavimentos, e o Eloy Chaves, com oito.
 
Desde sua concepção, o projeto foi constituído para ser um prédio institucional. Abrigaria o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi) e depois o Inamps (Instituto Nacional de Previdência Social). Em meados deste século, a União abriu mão do prédio. Sem uso, o imóvel chegou a ser cedido à Secretaria de Estado da Saúde, que acabou desocupando o Presidente Vargas entre 2008 e 2009. 
 
Desse período para cá, o prédio perdeu o status de imponente arranha-céu da década de 1950 para se transformar num estorvo para moradores e comerciantes da região. Desde que virou um prédio fantasma, passou a abrigar ratos, baratas e pombos, além de virar ponto de usuários de drogas e de prostituição. 
 
No final de 2015, a União chegou a anunciar a intenção de transferir o imóvel para a Prefeitura de Vitória. A ideia era reformar o prédio para oferecer cerca de 90 apartamentos à população de baixa renda. A iniciativa, pra lá de sensata, fazia parte da Política Nacional de Habitação do governo federal. 
 
A iniciativa, além de ser uma ótima solução para dar destinação ao elefante branco e mitigar o problema de moradia dos sem-teto, resolveria também o drama das comunidades do Centro. O detalhe é que o projeto nunca saiu do papel. Os 13 pavimentos do outrora “gigante” do Centro segue assombrando moradores e comerciantes. 
 
O grupo de mais de 300 pessoas – cerca de 100 delas idosos e crianças – ocupava, até o fim de março, a chamada “Fazendinha”, área entre os bairros Grande Vitória e Universitário, na região da Grande São Pedro. Retirado do local por força de uma ordem judicial de reintegração de posse, o grupo se fixou precariamente na área externa da Casa do Cidadão, em Maruípe. Ante a inércia da Prefeitura de Vitória e do governo do Estado, o prédio abandonado do Iapi entrou no radar do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), que coordenada a ocupação. 
 
É importante recuperar a história do edifício para entender a cronologia do descaso do Poder Público em todos os níveis: municipal, estadual e federal. Todos, de alguma maneira, são corresponsáveis pelo infortúnio reservado a essas famílias que estão prestes a engrossar as estatísticas da população em situação de rua de Vitória. 
 
Há quase um mês no local, as famílias já deram cara de moradia ao velho edifício, apenas com limpeza e organização. A União, que provavelmente nem se lembrava que era dona do imóvel, agora se esforça para cumprir seu papel burocrático de senhorio do empacho que leva o nome de Vargas. Pediu à Justiça, inclusive, a desocupação ainda no início de maio, logo que as famílias pisaram para dentro do edifício.
 
O juiz Rodrigo Reiff Botelho, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), teve a sensibilidade de procurar uma saída sensata para o impasse. Palavras do juiz: “Em meu entender, a retirada imediata e liminar das pessoas que ocupam o imóvel lhes causará dano de grandes proporções, eis que não se tem notícia concreta nos autos acerca de um possível remanejamento dos indivíduos para abrigo ou outro local apropriado, de forma que estes, em sua grande parte pessoas humildes e sem condições de prover seu sustento, serão novamente desalojados, ficando desprovidos do mínimo existencial que assegure sua sobrevivência”. 
 
A sensatez e humanidade que sobraram na decisão do juiz faltaram à Advocacia Geral da União (AGU), que recorreu da decisão e obteve uma liminar para a desocupação imediata do prédio; à Prefeitura de Vitória, que não se mexeu para regularizar a transferência do prédio da União para o município, ainda em 2015, o que ajudaria a mitigar os problemas de habitação da cidade; e também ao governo do Estado, que deveria agir em conjunto com o município para evitar que essas pessoas voltem a morar nas ruas. 
 
Tudo que essas famílias não precisam agora é da burocracia e do “jogo de empurra” do Poder Público. Essas pessoas dependem de uma atitude humana e sensata, como a tomada pelo juiz Rodrigo Reiff Botelho. Decisão, aliás, já derrubada por força de uma liminar pelos burocratas de plantão, que querem a todo custo tomar o velho prédio das famílias sem moradia para entregá-lo aos antigos moradores: os ratos e baratas do Centro.

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