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Cidadania e individualidade

Até que ponto o Estado pode me invadir?

O Estado brasileiro, pós ditadura militar, começa a aprender a respeitar o cidadão como sujeito livre, capaz de gerir de forma independente a sua vida, mas a herança do passado de opressão, tanto no Brasil quanto em todo o ocidente, permanece no imaginário humano e interfere, e muito, nos progressos da consideração dos indivíduos em suas escolhas e modo de vida.

As convenções sociais construídas no modo de vida coletivo geram regulamentos morais que condicionam o sujeito cidadão no que diz respeito às inter-relações, principalmente relacionado às propriedades e aos direitos do outro. Contudo, é preciso estarmos atentos para não viver o estado leviatã de Hobbes.

Mesmo conhecendo, por meio da história, os resultados da opressão do Estado totalitário ao indivíduo em suas pessoalidades, como ocorrido durante a idade média e, também aqui no Brasil pela história mais recente, com o horror dos 20 anos de ditadura militar, ainda existe a ideia do Estado controlador do indivíduo, como melhor forma de organizar a vida.

É bom lembrar que, da nova constituição em diante, o Brasil tem seguido uma curva ascendente na limitação do Estado em interferir nos foros íntimos do cidadão, mas que o ressurgimento e fortalecimento da direita e das forças conservadoras que elegeram e sustentaram o governo anterior, promoveram um grande retrocesso, além de explicitar a divisão da população em relação a esses temas. Também não podemos desconsiderar o ingrediente fanático religioso instrumentado para pautas como as uniões homo afetivas, a posse pela mulher sobre o seu corpo e a descriminalização das drogas.

Para que a sociedade brasileira retome essas pautas, necessárias e urgentes, se faz fundamental a abertura ampla da discussão, pelo menos desses três temas. É preciso que a sociedade, como um todo ou em sua maioria, analise tais temas, sem conceitos preestabelecidos ou preconceitos que travam a discussão. Acima de tudo, é preciso entender e socializar o entendimento de que nós, os indivíduos, somos diferentes, e que só por estarmos vivos, temos direito a essas diferenças que são irrelevantes para a vida do outro, como a forma de ter prazer sexual, constituir família, ter ou não ter filhos, se alimentar, fumar, beber ou usar qualquer outra droga que lhe convenha.

Para o todo da sociedade, é preciso definir o lugar da opinião e garantir a liberdade existencial de cada um.

Não adianta, e é uma hipocrisia, ter leis proibindo o uso de drogas, se elas se fazem presente em todos os setores da sociedade, principalmente as consideradas lícitas que enriquecem as elites, mas também as ilícitas. Enquanto o Estado gasta o dinheiro público reprimindo o uso dessas outras, com a chamada guerra ao tráfico, que fere inocentes e exclui uma enorme camada da população com a marginalização e o encarceramento, agravado pela falta de condições de saída de um sistema perverso de escravização disfarçada ao movimento do tráfico e interesses financeiros na manutenção desta guerra.

Com relação às uniões homoafetivas, ainda fica mais esdrúxula a interferência do Estado, uma vez que a cada um cabe “a dor e a delícia de ser o que é”. Já com relação à liberdade da mulher e a autonomia relativa ao seu corpo, ainda é mais vexatório, por representar uma herança do poder masculino numa sociedade de “iguais perante a lei”.

Penso que a discussão deve se organizar nas dimensões do esclarecimento, conscientização, resistência e luta, acima de tudo pela garantia da liberdade individual do ser humano, como dono do seu corpo e livre para escolher seu modo de viver.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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