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​Classificado moderno

O começo pode ser o meio do fim, mas o fim pode ser um novo começo

Vende-se apartamento em área nobre da cidade, com um tapete Já-vai-tarde na entrada e saída conveniente para uma nova vida. A poucos passos do Bar Me Engana que eu Gosto, onde os atuais proprietários se conheceram. Duas suítes – uma para os hábitos noturnos do ex-casal, com amplo closet, e a menor convenientemente adaptada para home office. Embora a venda do referido imóvel inclua mobília e decoração, esse home office se compõe de duas escrivaninhas com cadeiras estofadas, papel de parede imitando escritório, mas não inclui os aparatos tecnológicos exigidos para o exercício de qualquer profissão.

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Caso os futuros proprietários não trabalhem em casa, como tornou-se moda atualmente, o referido quarto pode ser adaptado para: a) Quarto de crianças; b) quarto de visitas (sogros e sogras sempre chegam nos momentos menos apropriados); c) sala de ginástica. Ou outras atividades que a necessidade e o bom senso imponham, como acomodar os excessos da vida moderna. Como o imóvel não tem outrora obrigatório quarto-de-empregada, esse segundo cômodo pode ser usado para os acúmulos que o crédito fácil e as promoções comerciais nos proporcionam. Ontem mesmo comprei vários itens da loja Tem de Tudo, que aliás recomendo: mesmo não precisando de nada, ela tem de tudo.

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A decoração do imóvel agradará ao comprador mais exigente: feita com atenção aos mínimos detalhes graças ao uso de uma lupa. O imóvel foi elaborado para uma vida a dois, adquirido quando a proprietária se deixou iludir pelo tradicional até-que-a-morte-nos-separe, esquecendo tratar-se apenas de uma frase de efeito usada para reforçar a solenidade do momento. É chato ficar torcendo pela morte do parceiro, mesmo sabendo que ele morre nos braços da mulher do vizinho. A experiência mostra que seria mais prático comprar dois apartamentos de um quarto – mais fácil de dividir os bens de raiz de uma união sem raízes.

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A cozinha merece atenção especial por ter sido o eixo central desse desastroso contrato social vulgarmente chamado casamento. Ali o traidor e a traída tiveram suas melhores interações sócio-emocionais, elaborando as refeições que compunham o dia a dia do ex-casal. Grandes decisões foram tomadas sob os reflexos das lâmpadas led embutidas no teto – sanduíche de atum ou de frango? Macarrão com molho de tomate da Sadia ou molho alfredo da New Cuisine? Quem cozinha o macarrão e quem põe os pratos no lava-louças? Pizza Paulista ou Itália Mia?

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O começo pode ser o meio do fim, mas o fim pode ser um novo começo. Quando joguei pelas janelas as roupas e barbeadores do traidor, devia ter jogado também os álbuns de figurinhas de futebol que ele montava na infância, as fotos de todas as formaturas, do jardim de infância até a faculdade; os mini sabonetes e shampoos trazidos de todos os hotéis onde se hospedou, os envelopinhos de ketchup e mostarda que pegava em todos os restaurantes onde comia. Fui generosa, e agora alguns potenciais compradores desistiram da compra porque não tenho onde armazenar tudo isso – ficou incorporado aos bens inalienáveis do ex-casal.

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