A juíza do Trabalho Valdete Souto Severo, que trabalha em Porto Alegre, lançou na Internet uma denúncia sobre mais uma jogada armada no Congresso Nacional para minar os pilares do direito do trabalho.
Trata-se do Projeto de Lei 8294, de 2014, que propõe alterar o artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual protege os trabalhadores contra imposições injustas por parte dos empregadores.
Segundo a juíza, o 444 já não é respeitado em boa parte das relações de trabalho, mas serve como salvaguarda jurídica “contra a instituição da barbárie” nos contratos trabalhistas.
“A norma do artigo 444 da CLT representa o que poderíamos chamar de parte integrante do patamar mínimo civilizatório”, argumenta a juíza, lembrando que o PL 8294 “vem tramitando apressadamente no Congresso Nacional”. No momento, está na Comissão de Trabalho,de Administração e Serviço Público, que já sinal verde ao avanço da terceirização dos contratos trabalhistas.
O projeto 8294 pretende a inclusão de um parágrafo único no artigo 444 da CLT, com a seguinte disposição: “Os limites para livre estipulação do contrato de trabalho, estabelecidos no caput, não se aplicam quando:
I – o empregado for portador de diploma de nível superior e perceber salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do salário-de-contribuição da previdência social;
II – o empregado, independentemente do nível de escolaridade, perceber salário mensal igual ou superior a três vezes o limite máximo do salário-de-contribuição da previdência social.
Volta a juiza Valdete Severo: “A liberdade contratual que se pretende outorgar a esses trabalhadores mais graduados revela o verdadeiro intuito do projeto: a flexibilização ou até mesmo a supressão de direitos fundamentais”.
Os trabalhadores já têm a possibilidade de cuidar de si mesmos, o que eles perderiam é a garantia contra a perda súbita de sua fonte de subsistência ou mesmo contra a pressão de quem oferece trabalho.
Segundo a leitura da juíza, o projeto de lei pretende favorecer a imposição de cláusulas lesivas, como o fracionamento ou supressão do direito às férias ou do repouso para descanso e alimentação. No fundo, propõe a divisão dos trabalhadores em duas classes de seres humanos — alguns capazes de exercer autonomia, outros não.
Essa distorção do discurso da proteção gera de imediato dois efeitos terríveis, segundo a juíza Valdete: de um lado, autoriza que os direitos fundamentais comecem a ser questionados, também em relação aos demais empregados, permitindo o retorno da discussão entre negociado e legislado; de outro, subrepticiamente, sugere a nulidade da justiça do trabalho e a inutilidade dos sindicatos para a conquista de condições adequadas de trabalho.
Em nosso mundo marcado pela desigualdade e o desequilíbrio entre capital e trabalho, o PL 8294 é uma afronta aos direitos constitucionais básicos dos trabalhadores.
LEMBRETE DE OCASIÃO
O artigo 7 da Constituição do Brasil, que trata dos direitos dos trabalhadores, contém uma lista de 34 direitos, começando pela proteção contra demissão arbitrária ou sem justa causa.