Um grupo que mistura pauta conservadora com práticas paroquiais e retribuições em propina
A trajetória contraditória da nova política do governo Bolsonaro ganha mais um capítulo para a sua temporada. Estoura o escândalo no MEC (Ministério da Educação), que era comandado pelo agora ex-ministro Milton Ribeiro. Não terá sido mera coincidência que este escândalo envolva pastores assediando prefeitos pelo Brasil. Com verbas em troca de favores como construção de igrejas e apoio para eventos pentecostais. Para piorar, esta propina também poderia ser uma retribuição com dinheiro vivo, barras de ouro e contratos de compra de Bíblias.
Digo não ser coincidência, pois esta oferta de verba pública também reflete o aparelhamento evangélico na educação brasileira desde o começo do governo Bolsonaro. Um programa de costumes que tenta burlar o Estado laico em favor de uma orientação religiosa e conservadora para a educação básica e superior do país. E isto inclui a manipulação na escolha de reitores para as universidades públicas, por exemplo.
O congraçamento entre interesses espúrios em meio à coisa pública é parte desta nova política fisiológica, que sopra agora com o vento dominado pelo Centrão, e que, com este escândalo, se tem, mais uma vez, a face hipócrita da pauta de costumes. E vemos o ministro Milton Ribeiro, com sua intervenção reacionária, tomado por uma ideia do bem distorcida, que serve somente para mascarar estas ações no ministério de um gabinete paralelo, que nos lembra, imediatamente, de episódios que ocorreram no Ministério da Saúde. Nos alertando que esta é uma prática cotidiana do governo. Só não vê quem não quer.
Temos um Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) praticamente descontinuado, e que afundou depois de um verdadeiro êxodo de servidores, uma implementação de um PNE (Plano Nacional de Educação) que agora estaciona no Congresso Nacional, e tudo isso sob uma nuvem espessa em que a proposta educacional do governo é praticamente uma tábula rasa. E temos o novo Enem (como consequência de uma nova base curricular que se pretende ser o novo ensino médio) que irá ser implementado em 2024, e que ainda passará por dois anos de adaptações e com diversos pontos obscuros para amarrar até lá.
As contestações judiciais em edições recentes do Enem também refletem a desorganização de um MEC inepto, embriagado por interesses revisionistas de costumes e modos de vida que são apenas a afetação de um falso beato que esconde a sua sanha por barras de ouro e demais agrados. Este fenômeno contraditório é muito comum na vetusta hipocrisia que sempre cercou qualquer pauta pretensamente conservadora ou paladina de uma ordem de realidade imaculada.
O inquérito aberto pela Polícia Federal, o pedido de abertura de inquérito feito pelo PGR (Procuradoria-Geral da República) ao STF (Supremo Tribunal Federal), a partir de representações feitas por deputados e senadores, somados à inspeção sobre convênios feitos pelo MEC sob o comando do ex-ministro Milton Ribeiro, e que tem iniciativa do TCU (Tribunal de Contas da União), poderão ser uma devassa em todo o sistema de trabalho do MEC.
Tais ações no Ministério agora contam com a revelação feita pelo Estado de São Paulo, logo em seguida somando-se à gravação escandalosa da fala do nefando ex-ministro, feita pela Folha de S.Paulo. Uma fala que se comporta como se a prática por ele citada fosse uma coisa normalizada. E isto associando o nome do pastor Gilmar, por exemplo, a ordens diretas do presidente Jair Bolsonaro, que provavelmente não terá seu nome envolvido por um PGR subjugado pelo seu protetor e engavetador, Augusto Aras, o procurador-geral.
Mais uma vez, temos a revelação de um gabinete paralelo no governo Bolsonaro, que se trata de um grupo de gente que mistura pauta conservadora com práticas paroquiais como retribuições sob a forma de propina, e excrescências como o orçamento paralelo, outra caixa-preta que mereceria uma inspeção à altura. Além disso, um sistema político recheado por esquemas de rachadinhas de um hábito encruado nas instâncias legislativas da Câmara Federal, Senado, Assembleias Legislativas e as diversas Câmaras de Vereadores espalhadas pelo Brasil.
Se trata de um diagnóstico distópico de um governo que nos brindou com uma política de saúde pública negacionista como forma ideal de lidar com uma pandemia mundial. Em que pudemos testemunhar um movimento de rebanho ou de seita em torno de verdades milagrosas e nunca científicas, como trocar as vacinas por uma cloroquina sistematicamente ridicularizada por estudos científicos, nunca referendada pela The Lancet, e objeto de um culto mistificador de uma patetice medieval nas terras tupiniquins.
O próximo passo agora é começar a fazer com que o sistema jurídico acione inspeções diversas sobre a gestão de ministérios à medida que suspeitas e escândalos deem esta oportunidade, como agora no MEC. Portanto, este escândalo poderá não ter sido o último bastião a ter esta devassa como necessária. Lembrando que a repetição do fenômeno gabinete paralelo neste governo não é uma coincidência infeliz, mas uma prática cotidiana da gestão ministerial, vide a fala desabrida com que nos brindou o hipócrita ex-ministro Milton Ribeiro, o falso beato.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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