No momento do voto, o cidadão precisa se situar no mundo para desempenhar seu papel, a rigor, consigo mesmo
Para além da obrigação, a escolha dos candidatos e candidatas a representarem o povo na administração das cidades, por mais quatro anos, talvez possa ser vista como o momento de ação mais importante da vida em sociedade.
Infelizmente, a população vive iludida com tantos valores fúteis, que generaliza suas atitudes no “balaio” cotidiano. Sua preocupação se nivela entre o acordar e dormir novamente, com a sensação de ter vencido mais um dia. Afinal, estamos em uma constante luta pela sobrevivência, o que faz o cidadão se contentar, na maioria das vezes, em se manter vivo.
Contudo, existem coisas e ações úteis, dessas que uma vez cumprida sua “utilidade”, acabam. Se alimentar, tomar banho, varrer a casa, etc., ou o lápis que se acaba escrevendo, o dinheiro que acaba nas compras, a gasolina com os quilômetros rodados e a maioria das coisas com as quais convivemos. Essa compreensão acaba assimilada pelo cidadão, levando-o a uma generalização da vida, sem considerar a possibilidade de hierarquizar ações – é tudo uma coisa só: vencer o dia.
Tendo em vista a existência de algo sem utilidade, como “a felicidade”, que não tem nenhuma utilidade a não ser ela mesma, poderíamos concluir que ela, a felicidade, é a busca comum do ser humano e que toda sua ação cotidiana deveria ter como fim o encontro dela ou com ela. Assim sendo, é fundamental discernir a importância das ações do dia a dia, numa qualificação daquelas que trarão maior consequência para a construção de uma vida feliz, para conferir a elas uma hierarquia de significado.
Naturalmente, não obstante os questionamentos filosóficos: A felicidade existe? É uma coisa? Um lugar? Uma posição a alcançar? E, considerando que sabendo ou não as respostas, estamos sempre em busca dessa felicidade (naturalmente em suas, infinitamente multifacetadas formas), a simples atitude de comparecer à urna e fazer sua escolha proporcionará um período mais longo de consequências, por isso deve ter um peso maior nessa hierarquia de importância de ação, o momento do ser político, que age com consciência de si mesmo e seu papel no mundo.
Atualmente tem sido muito evidenciadas determinadas necessidades de ajuste em nossa vida comum nas cidades. Vale ressaltar a finalidade da composição desse lugar chamado cidade, lugar comum, abrigo de todos, construído para a responsabilização de todos, pela vida coletiva e de cada um.
Já descobrimos que não sobreviveremos no egocentrismo, que não adianta o progresso individual sem o coletivo, que “o caldo”, mais cedo ou mais tarde, vai entornar. Já temos, como consequência disso, as pessoas presas em fortalezas de segurança para proteger seu patrimônio e sua vida, uma vez que se veem cercadas de “necessitados de tudo”, vendo-os como uma ameaça a desqualificar seu sono, e seu dia a dia, enfim, sua felicidade.
Não adianta para essas pessoas e também para as outras, um e outro lado, uma cidade que deixe à sua própria sorte, sua segurança, saúde e relação. É preciso muito mais. A cidade, enquanto o coletivo de cidadãos e cidadãs, precisa cuidar da relação desse coletivo, é preciso que esse coletivo tenha preocupações maiores de nivelamento de condições de possibilidades para a população como um todo, sem deixar ninguém para trás, é preciso que a riqueza produzida na cidade tenha prioridades no sentido da construção de um lugar para todos, e não ser um lugar para uns e um “não-lugar” para outros, no estabelecimento de favelas e periferias.
Podemos vivenciar exemplos como a banalização e marginalização da pobreza e da miséria, a exclusão desses territórios e a desqualificação do trabalho, como se não fosse possível resolver essa disparidade na convivência comum nas cidades.
Por tudo isso é necessário, nesses dois meses que antecedem a eleição, estarmos atentos, não só às propostas dos candidatos e candidatas, aferidas em suas histórias pessoais mais que em seus discursos, mas também questionar: a que grupo político pertencem? A quem se aliaram para concorrer aos mandatos?
Enfim, é nesse voto municipal que já estaremos dando um pontapé inicial para a próxima eleição e consequente definição do governo do Estado e presidência do Brasil, além dos parlamentos estadual e nacional. Entender a que ponto de vista nos aliamos e que modelo de sociedade estaremos ajudando a construir para nossa busca “dessa tal felicidade” e não acabarmos atirando no próprio pé.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia