Ninguém torce por uma bola parada
Gritos assustadores vêm da sala – chamo a polícia ou deixo rolar? Foi gol ou vão anular? Enquanto jogadores e bandeirinhas discutem com o juiz a validade do feito, quem fica feliz é a sofrida bola, chutada pra lá e pra cá impiedosamente. Sem voz para protestar, desfruta seus parcos minutos de paz enquanto a plateia vibra e o herói da jogada se vangloria.
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Que mal fiz eu para ser tão surrada? medita a triste bola. Rainha do gramado, nela se fixam todos os olhares quando leva pontapés, mas jaz esquecida na grama insensível quando o jogo para – ninguém torce por uma bola parada. Mas aí o juiz apita e a bola rola – Entre chuteiradas e cabeçadas, a bola cumpre seu destino. Pancada de amor não dói, dizem os machistas enrustidos.
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O estádio reflete a dualidade da vida humana: seja qual for o resultado, um lado sai rindo, o outro sai chorando. No empate ninguém chora junto. Os jogos da vida também são inconstantes e todo resultado é uma surpresa – cada partida traz uma fria incógnita – o anti-clímax. Ditado baiano: Se macumba valesse, todo jogo na Bahia terminava empatado.
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Um torcedor distraído entra na ala errada do estádio, vestindo a camisa do time do outro lado. Faz-se silêncio nas arquibancadas. As consequências eram previsíveis: se o time de lá ganhar, o incauto vai ser massacrado e os vencedores não vão cruzar os braços – guerra declarada, o começo do fim do mundo.
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Vivemos espremidos entre dois polos achatados – o frio Norte e o ainda mais frio Sul. No vasto espaço físico entre esses dois polos, onde a temperatura pode oscilar entre 58 graus positivos (no deserto da Líbia) e 88 graus negativos (na Estação Vostok, Antártica), viceja a tragicômica novela humana.
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Tal como acontece em qualquer campo de futebol, entre esses dois polos o inusitado sempre espreita: o mundo é um container de surpresas! O inesperado ataca em cada chute, nossas certezas perdem gols de pênalti. Quanto mais vivemos menos entendemos essa dualidade que se desenrola no curto ciclo de nossa ínfima existência.
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Quanto ao torcedor incauto, com sua imagem refletida nas muitas telas de TV instaladas pelo estádio, tirou a camisa do seu time e exibiu uma outra, onde se misturavam as cores dos dois times – com a branca pomba da paz entre elas.
Quanto ao torcedor incauto, com sua imagem refletida nas muitas telas de TV instaladas pelo estádio, num gesto dramático tirou a camisa do seu time e exibiu uma outra, onde se misturavam as cores dos dois times – com a branca pomba da paz entre elas.