Musk veste uma persona histriônica de agitador e influencer
Elon Musk faz parte de uma concepção de Estado privado que se utiliza de um viés libertário para testar os limites da soberania dos estados modernos constituídos. Portanto, o que ocorreu aqui no Brasil, nas últimas semanas, com a suspensão do X (ex-Twitter) não configura uma novidade no histórico conturbado de Musk na sua relação com a soberania dos países pelo mundo.
Musk veste uma persona histriônica de agitador e influencer, misturando neofascismo com um libertarianismo de cepa anarcocapitalista, e que se confronta com valores da modernidade histórica, como os do Iluminismo e do Humanismo, bases axiais do que se conhece do que temos como produções de laicidade, liberdade religiosa e política, evoluindo para as democracias liberais.
Tivemos também reações, ainda dentro dos limites da modernidade, como o pensamento socialista, e também presenciamos distorções surgidas de dentro do liberalismo em crise, como um ovo da serpente, que foi o fascismo corporativista italiano e depois o nazismo alemão. Tais concepções totalitaristas surgiram já com valorações nostálgicas que se confrontavam com valores consagrados da Modernidade iluminista.
Com uma concepção política feita de oratória radiofônica e estética, estas ideias totalitaristas seduziram corações naqueles anos que duraram até o fim da Segunda Guerra Mundial, e que desde o pós-guerra até hoje ganham versões celulares em diversos países e partidos que rezam a cartilha, mas tentam dissimular o discurso, compondo o cenário atual da extrema direita.
Por sua vez, com o advento da internet, hoje lidamos com um tipo de histrionismo que reproduz valores distorcidos originados desta extrema direita, com uma nova lógica de memes, trollagem, piadas de gosto duvidoso, e que com Elon Musk ganharam um representante com poder financeiro e midiático que atua, exatamente, através deste modelo de provocações histriônicas contra seus adversários, que podem ser governos, justiça, figuras públicas e etc.
A performance monetizante é o uso do algoritmo que só reconhece engajamento cego, e o pior que tem na praça é o que ganha destaque na internet, pois este algoritmo mostra o que engaja e viraliza. Elon Musk sabe que a lógica de algoritmo é viciada em memes e trollagens, e isto favorece a inconsequência do discurso dominante desta extrema direita atualizada em negacionismo científico, noções reacionárias diversas, somada a uma série de inversões de valores que erguem um verdadeiro guia anti-iluminista e de demolição dos valores humanistas.
Elon Musk representa este Estado privado que se confronta em poder com o Estado Moderno, o que, em lógica, pode ser entendido como um embate entre estes “estados-fluxo” das big techs, com uma dinâmica onívora capitalista, e os regramentos e estatutos de países, criando um desnível de interesses e modos de operação, sistemas e organizações que, quando chega ao ápice, os estados constituídos reagem e, sim, ainda detêm mais poder e contundência que as big techs, por incrível que pareça.
Embora o sonho dourado de CEOs como Elon Musk fosse passar como um rolo compressor sobre as normas de poder do Estado de Direito, num novo estado total privado, seu histórico de embates pode se resumir a tentativas histriônicas de sabotagem e, depois, a adaptação às regras de cada estado, sem grande sucesso em retorcer os limites institucionais, levando a respostas duras, no espírito da lei e segundo a defesa de soberania, conceitos tão consagrados, que uma persona histriônica, por mais poder financeiro que tenha, acaba sendo coagido a ceder e obedecer, pateticamente.
Além do caso recente de Elon Musk contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aqui no Brasil, que irei tematizar em breve, o CEO gracioso também se meteu com a soberania de outros países, tais como Austrália e Ucrânia, além do estado de Delaware, nos Estados Unidos, e um conjunto de países, com confrontos com a UE (União Europeia), por exemplo. Como dono do X, antigo Twitter, Musk arranjou diversos problemas, sempre tentando se escudar numa concepção distorcida de liberdade de expressão.
Na Austrália, o primeiro-ministro do país, Anthony Albanese, chamou Elon Musk de bilionário arrogante diante da relutância do X de retirar do ar as imagens de esfaqueamento dentro de uma igreja em Sydney, e o X dizendo que cumpriria a decisão ordenada por um tribunal. Musk, no entanto, fez um meme acusando o governo australiano de censura. Albanese chegou a dizer à emissora ABC News que Musk pensa que está acima da lei, “mas também acima da decência comum”.
A ofensiva de Elon Musk com o governo australiano foi retomada recentemente, com a apresentação de um projeto de lei que visa coibir a disseminação de desinformação por parte das redes sociais. Elon Musk chama o governo australiano de fascista e autoridades australianas se manifestam diante de uma concepção distorcida, ou melhor, enviesada, sobre liberdade de expressão, do CEO problemático.
Ou seja, temos o exemplo da colocação do ministro das Finanças da Austrália, Stephen Jones, como uma forma de sintetizar o confronto deles com Musk por lá. Quando o ministro disse à emissora ABC o seguinte: “Não consigo entender como Elon Musk ou qualquer outra pessoa, em nome da liberdade de expressão, achar que está tudo bem ter plataformas de mídia social publicando conteúdo fraudulento, que está roubando bilhões de dólares dos australianos todos os anos. Publicação de material deepfake, publicação de pornografia infantil. Transmissão ao vivo de cenas de assassinato. É para isso que ele acha que serve a liberdade de expressão?”, questionou.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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