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Escola e distanciamento social

O retorno da atividade educacional exige o estudo da filosofia maquiavélica

Com mais de cem dias de paralisação, o retorno do funcionamento da educação se faz tão urgente que corre o risco de ser imprudente.

Acumulando mais de mil mortes em nosso Estado e ainda com projeção de crescimento alarmante, a pandemia do novo coronavírus revela o isolamento e distanciamento social como medidas de maior eficácia no seu enfrentamento.

À princípio, a sociedade sem uma noção clara do problema, enfrentou grandes dificuldades para se manter afastada de suas atividades rotineiras, mas com os números de infectados, adoecidos e mortos crescendo e assustando, hoje a população se encontra perdida entre a necessidade de “normalizar” a vida e o pânico da possibilidade de contágio e consequências da doença. Esse pânico vai aumentando à medida em que os números, e os nomes que esses números vão assumindo, se aproximam de toda a população. Hoje já é raro um capixaba que não tenha uma perda próxima a ti, seja de um parente, amigo ou conhecido.

Em se tratando da “retomada da normalidade possível”, talvez a educação seja o setor de maior sensibilidade ao risco de propagação do vírus e, tendo em vista a pressão para o retorno das atividades advindo principalmente das escolas particulares, nos proporemos a uma reflexão, a partir de três ângulos envolvidos: os profissionais, os estudantes e suas famílias, e a escola em si mesma.

O Estado brasileiro tem um histórico de baixa remuneração e valorização dos profissionais da educação que, geralmente no início de carreira, precisam assumir jornadas excessivas, em duas ou mais escolas, para alcançar uma remuneração que lhe permita viver com um mínimo de dignidade.

Além disso, ainda como reflexo do histórico descaso com esses profissionais, uma parcela substancial da categoria é mantida em contratos precários de designação temporária com duração de um a dois anos, sem nenhuma segurança. Importa ressaltar que, devido a essa precariedade de condições ofertadas, o próprio Estado, na seleção desses contratados temporários, incentiva com uma pontuação melhor na seleção, o retorno ao trabalho de profissionais mais velhos, muitos já aposentados.

Agora, na necessidade de construção do retorno ao funcionamento regular da escola, a idade avançada se torna um grande problema a ser administrado, uma vez que a prudência indica o isolamento vertical, ou seja, que os inclusos nos grupos de risco como os idosos, sejam mantidos em isolamento até a disponibilização da vacina.

Para uma boa reflexão desse problema, além da ótica institucional, tem também a desses profissionais, os mais velhos. Não é incomum terem no trabalho, além da fonte de renda necessária para sua manutenção, a atividade que alimenta sua vida física e social. Vejo isso muito claramente no dia a dia da escola, onde esses profissionais mais antigos se tornam referências, inclusive afetivas junto aos colegas e principalmente com os alunos, fato refletido em condutas, até condenadas pelas novas gerações de professores (o que vale uma outra profunda reflexão), como o tratamento afetivo de “tio” e “tia” pelos alunos, mesmo adultos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Neste momento, esse grupo em especial, fica dividido entre o risco da exposição à doença e a condição íntima, um tanto depressiva pela sensação de “supressão de sua utilidade” enquanto profissional, funcionário (no sentido de funcionar na sociedade) e, até mesmo ser humano, em suas necessidades de empatia e socialização.

Já com relação aos estudantes, a ausência da vida na escola esvazia substancialmente suas rotinas e deixa um deslocamento social insuportável. Contudo, esse grupo é de extrema sensibilidade à transmissão e proliferação da doença, seja pela liberdade, impetuosidade e sua necessidade maior de se relacionar, como também, por suas relações familiares, que na maioria das vezes envolvem idosos e componentes de outros grupos de risco.

Já a escola, principalmente a rede pública em sua gigantesca estrutura, para se adaptar ao distanciamento social, necessário à vida até a disponibilização da vacina, precisaria de um salto de qualidade em sua logística de difícil visualização diante desse histórico de descaso. Infelizmente, sabemos que boas estruturas físicas não são uma característica dela, que no geral é composta de salas superlotadas, prédios com precária manutenção e ambientes insalubres. Além disso, a escola é espaço de relações, vivências, aglomeração, construção de grupos, etc. Hoje não conseguimos visualizar a vida escolar sem isso.

Assim sendo, mesmo diante da pressão vinda de todos os lados, principalmente da economia, aqui especificamente representada pela rede privada de ensino, precisamos recorrer a Nicolau Maquiavel e sua prudência, que não é acomodada e imóvel, mas eivada de virtú.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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