Os recorrentes votos de Feliz Ano Novo nunca foram tão sinceros
O ano do desespero acabou sem risos e sem abraços, sem brindes sonoros dizendo adeus aos dias e horas que se alongaram por tempo demais, e evaporam no ar como a fumaça dos fogos de artifício – fugas de uma realidade desagradável que incomoda e de cuja lembrança todos querem se livrar. Os recorrentes votos de Feliz Ano Novo nunca foram tão sinceros. A última noite do ano transcorreu muda e tristonha, sem o tilintar de taças transbordando champanhe, sem sonhos realizados, sem a alegria de risos animados pelo álcool.
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As vozes alegres que cantavam canções antigas emudeceram na madrugada – voltaram a dar ordens ou a concordar e obedecer; a rezar e agradecer ou ofender e insultar; a pedir ou recusar. O chão está pintado de confetes e serpentinas que se enroscam como serpentes mortíferas, prontas para o bote fatal. Na vida real, confetes e serpentinas são raros, mas quando caem relembram os poucos instantes felizes vividos no ano que passou. Que voltem mais fartos, são os desejos alimentados em cada coração.
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A voz do silêncio é quieta. Os olhares vazios de promessas se desviam de outros olhares ansiosos. A festa que não houve se dissolve na realidade de vidas sóbrias, as fantasias voltam para o fundo do armário. Mais um ano que morre, mais um ano que nasce, trazendo recomeço e renovação. O confete e a serpentina são varridos para debaixo do tapete, os fogos de artifício ainda poderão ser usados 365 dias depois. Os risos e abraços a gente deixa no cofre da esperança, essa guerreira, que descartamos mas teima em retornar. As máscaras voltam para as faces sem sorrisos, enquanto elevamos aos céus uma prece coletiva: que se tornem inúteis no ano que começa.
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Lembrando antiga marchinha carnavalesca: Esse ano não vai ser igual àquele que passou, eu não brinquei, você também não brincou… Esse ano, meu bem, tá combinado, nós estaremos unidos outra vez. O distanciamento social está com os dias contados. E para começar bem 2021, lembre-se: “Sem chuva não haveria arco-íris” (Gilbert Chesterton). A luz no fim do túnel brilha cada vez mais forte: antes que 2020 desaparecesse do calendário oficial, a primeira pessoa da minha família foi vacinada contra o coronavírus.