Quando é que as coisas deixaram de ser do outro jeito?
Um dia fui bela e trigueira, tive amores, vivi meus melhores anos como pude, indiferente às costeletas que a pobreza vai distribuindo pela estrada. Pra ir à praia tinha que me espremer hora e meia no lotação lotado – daí o nome. Biquíni menor que consciência de político. Duas horas na volta, que todo mundo termina não sei o quê na mesma hora. Pra enganar a mardita, escondia um sanduiche na sacola, lá onde as mimadas dos edifícios da orla guardam o batom e o protetor solar. Se tivesse batom, comia, sem preconceito de cor.
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Água da bica de tirar areia do pé: Vem quente no solão do meio-dia, mas num deixa de ser água – purifica por dentro e por fora. Essas garrafinha de água mineral é gol de pobre – quem não possui não polui. Todo mundo fala em poluição porque tá na moda, ninguém incorpora o RRR – Reusa, Reduza, Recicla. Diz que reciclar gasta mais do que fazer outro igual. Eu nessa escassez emocional, num reuso porque não tenho o que usar, num reduzo porque num inventaram o menor que nada, não reciclo porque num sobrou nadinha de antes.
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Hoje ando por aí catando papel pra me reciclar – tem nenhum dando esmola mais não, moça. Se a cachola não fica esperta, a panaceia não cura nem recupera. Pobre anda a pé pra economizar o asfalto. Ah, mas teve um tempo…era de dar gosto olhar no espelho das vitrina, euzinha garbosa repetida lá no meio daquela gente de plástico vestindo roupa de rico. Pensa que me chateava? Tem gente que implica com tudo mesmo. Eu me lambuzava de alegria, olhando, rindo de dar gosto, cabelão no vento. Pra ter roupa nova, mesmo usada, tinha que ir lá pro fundo da loja, deixar o turco bolinar um pouco.
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Aí ganhava um vestido, teve vez que foi um sapato…essas coisa que fica empoeirando nos cabide, ninguém compra – me cabia direitinho. Tinha muito jeito pra agradar os outro, O corpo empinado que nem artista de televisão, me engalanava de vento, ria que nem menino no recreio. Quando é que as coisa deixaram de ser do outro jeito? Quando ainda era bonita num ficava vigiando defeito – e de repente a gente pega um susto. Na mesma vitrina de todo dia tem outra pessoa passando, num sou mais eu.
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De uma hora pra outra, o que era doce acabou-se – a cara murcha que nem ameixa, a perna sem força pra subir a escadaria do palácio na correria de antes. O palácio parece que ficou mais alto, mais longe. Num sei porque chama palácio se ali num mora rei nem rainha. A moça bonita que catava papel pra defender uns torresmos no estômago vira a velha que cata papel. Parada no entorno da escadaria que já não pode subir, de costas pro palácio que já não pode admirar.