Quando o governador Paulo Hartung (PMDB) olha para o rombo da Previdência estadual chega a ter um delirium tremens. Ele não esconde que a solução para impedir que essa “bola de neve” pare de crescer é adotando um modelo de “estado mínimo”. O que for possível tirar da conta do Estado, melhor. Talvez por isso tenha decidido escalar um engenheiro de produção para a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), apostando que Ricardo de Oliveira seria o cara certo para “enxugar” uma das áreas que consomem montanhas de recursos do orçamento. Este ano, cerca de R$ 2,4 bilhões.
O governador queria um secretário com visão técnica e não humanizada do sistema. Um gestor que não enfrentaria dilemas existenciais na hora de enfiar fundo o bisturi nos gastos para fechar a equação no azul.
A terceirização das gestões das unidades de saúde tem sido uma das prioridades de Ricardo de Oliveira. Hoje, no Estado, o Jayme dos Santos Neves, o Hospital de Emergência e Urgência do Estado (HEUE, antigo São Lucas) e o Hospital Central estão sendo administrados por Organizações Sociais, as OSs.
Esse processo teve início no final do segundo governo de Hartung, foi mantido no governo de Renato Casagrande (PSB) e vem se intensificando neste terceiro mandato do peemedebista. O próximo da lista é o Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alveso (Himaba).
Na sessão desta segunda-feira (17), a última antes do recesso parlamentar, o deputado Sergio Majeski (PSDB) voltou a tocar nos problemas da saúde, mais especificamente no processo de terceirização da gestão do Himaba. O deputado relatou que o contrato celebrado entre o Estado e o Instituto de Gestão e Humanização (IGH) fere a Constituição Federal. Entre outros problemas, ele apontou que o processo de terceirização ignorou a participação do Conselho Estadual de Saúde nas discussões. O deputado também relatou problemas do IGH nas gestões de contratos em estados como Piauí, Bahia e Goiás. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual.
A questão levantada pelo deputado é polêmica e a discussão pra lá de oportuna. Existe desconfiança de parte da sociedade se a terceirização dos hospitais pode piorar ainda mais a qualidade do atendimento, que já é precário na maioria dos hospitais da rede pública estadual.
Há receio de que a saúde também passe a ser tratada como um negócio. E essa apreensão é plausível. Basta olhar para um exemplo em outro área completamente diferente, mas que também envolve vidas humanas.
Com concessão da BR 101 para a iniciativa privada foi criada uma expectativa positiva. Havia quase uma certeza de que as melhorias na estrada jogariam os índices de acidentes, sobretudo os fatais, para baixo. As obras de melhorias não foram entregues como previsto e as pessoas seguem morrendo na BR 101. Há menos de um mês, num único acidente, mas de 20 pessoas morreram na “rodovia assassina”.
Com a saúde, o Estado também cria expectativas positivas de que a qualidade do atendimento vai melhorar, como se a terceirização fosse a solução de todos os problemas. Não deixa de ser uma espécie de atestado de incompetência do Estado, que está admitindo que não tem capacidade para administrar a rede de saúde, equilibrando a equação qualidade-custo do serviço.
O governador Paulo Hartung, um dos entusiastas da ideia, defende que os hospitais sob gestão dos OSs entregam mais por menos. Sem contar que o Estado fica livres de fazer concursos ou ter que contratas funcionários em designação temporária, para mais tarde chegar a conta da Previdência. Com as OSs, o Estado se livra de tudo isso.
De outro lado, os críticos dizem que as OSs “filtram” os casos pela complexidade, empurrando os mais complicados, consequentemente os mais onerosos, para as unidades administradas pelo Estado. Ficando com os casos mais simples e de custo mais baixo.
Os críticos do modelo também incluem a falta de transparência tanto no processo de escolha das OSs como na gestão em si. No caso do Espírito Santo, esse parece ser um ponto-chave. O governador Paulo Hartung, não é novidade para ninguém, é avesso à gestão transparente. Uma das demandas apresentadas por Majeski é justamente essa. O deputado alega que o Conselho Estadual de Saúde foi excluído do processo de discussão da OS que fará a gestão do Himaba.
Falta transparência também nos outros contratos, que poderia ser garantida por meio de uma participação mais ativa do Conselho Estadual de Saúde e de outras representações da sociedade civil organizada que também deveriam ter acesso a essa discussão.
Não é questão de ser necessariamente contra o modelo, mas é preciso jogar luz nesses contratos. Entender, por exemplo, no caso do Himaba, se o fato de o IGH ter se envolvido em irregularidades em outros estados não o descredencia para operar no Espírito Santo.
Enquanto não houver transparência por parte do governo, é obrigação da imprensa, da Assembleia e do Ministério Público levantar suspeição sobre os contratos. Ou devemos ser ingênuos e acreditar que os gestores das OSs seriam incapazes de tratar a saúde como um negócio?