A segunda metade deste verso do poeta romano Virgílio é o “motto” da London School of Economics and Political Science: “rerum cognoscere causas”– isto é, compreender a causa das coisas. Tomo emprestado este “motto” para nos alertar que precisamos fazer um esforço, neste grave momento histórico brasileiro, para chamar a nossa atenção para a famosa metáfora:” thinking outside the Box”- isto é, pensar fora do quadrado, de uma forma diferente, não convencional, sob uma perspectiva diferente.
Esta reflexão me ocorre a partir da observação de inúmeros fatos do dia a dia das crises nacional e regionais. A peculiar e intrincada combinação de crises – política, econômica, social – dissemina fragmentos de anomia social, aumento da violência urbana, desesperança, pessimismo, ódio político, não decisão de investimentos, não decisão de entregas de serviços públicos e grande sentimento de impotência e derrota.
Na lona da derrota, advém um salve-se quem puder, uma vontade de ir embora, uma crise de confiança e credibilidade, uma vontade de trair, uma exacerbação da lógica do “a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. Ou uma combinação de tudo isso. Apertem os cintos que o piloto sumiu. Não há centro de poder. Não há liderança nacional capaz de exercer efeitos pertinentes. Mais vestígios de anomia.
É preciso reagir a esta lógica geral da anomia. Antes que ela se exacerbe e se instale perigosamente. Começando pelas lideranças deste país e deste estado. Enquanto a presidente da República enreda-se numa teia própria de erros e numa comédia e tragédia de autoenganos, o Congresso Nacional toca um “barata voa” e uma cacofonia e o Judiciário se enreda na judicialização da política e na politização do Judiciário, ao som das vuvuzelas que entoam nos corredores e arredores do Congresso Nacional interesses corporativos do judiciário que não cabem na crise fiscal brasileira. É cada um por si e Deus por todos…
Neste labirinto que pode vir a entoar uma ópera de horrores, os fatos inusitados e as atitudes surpreendentes proliferam. Aqui e acolá. No Espírito Santo, por exemplo, chama a atenção, pelo caráter inusitado, a iniciativa em que uma maioria de 53 prefeitos municipais do Estado parou as atividades para uma manifestação em Vitória, na Assembleia Legislativa.
O objetivo foi alertar a população para a grave crise que atinge as prefeituras, sobretudo as do interior. E pedir a ajuda dos Poderes do Estado para superar a grave crise econômica que assola os municípios. Simplesmente incrível! Os prefeitos só faltam querer devolver as chaves das prefeituras…Pedem até flexibilização ao Tribunal de Contas na hora da análise das contas e dos alertas sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Uma espécie de renúncia branca ao exercício do poder municipal e uma busca de uma improvável “saída de emergência” por não terem feito o dever de casa do ajuste fiscal. Outra vez: estímulos à anomia.
Outro exemplo, também no Espírito Santo, é o da questão do drible aplicado pelo Poder Judiciário estadual para não incorrer na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por estourar os gastos com pessoal – expondo a fragilidade administrativa em que se encontra o Tribunal de Justiça. Conjugado com o estouro dos gastos com pessoal, veio a questão do auxílio-moradia, que beneficiou, indiscriminadamente, todos os membros do Judiciário, onerando os cofres estaduais em mais de R$ 15 milhões por ano. Um “direito” que é, na verdade, um privilégio adquirido. Estímulos à anomia social.
O novo presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Annibal de Rezende Lima, que está entre a minoria dos magistrados que não recebem auxílio-moradia, demonstrou, em seu discurso após ser eleito, consciência da gravidade da crise: “vivemos a mais grave crise econômica dos últimos 84 anos”. E mostrou coragem para enfrentar os problemas e os desafios:”…não fugiria dele (o desafio), apesar das imensas dificuldades que sei que vou enfrentar no próximo biênio…” (A Gazeta,09/10/2015).
Mirando a questão do auxílio-moradia, o governador Paulo Hartung foi cirúrgico: “não tem esse negócio que o governo paga a conta. Quem paga a conta é a sociedade”. Realmente, é importante, e até pedagógico para o aprimoramento da democracia brasileira, relembrar, também, por oportuno, a célebre frase de Margaret Thatcher: “não existe essa coisa de dinheiro público, existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos”. Nas democracia fortes, os pagadores de impostos se tornam cidadãos vigilantes sobre o que é feito com o seu dinheiro, como já observava Tocqueville, em 1835, em seu magistral “Da Democracia na América”.
Os exemplos dos prefeitos capixabas e do judiciário capixaba são apenas emblemáticos de que o país – premido pela ausência de centro de poder e pela expansão de um quadro de anomia social (faces da mesma moeda ) – caminha para ser abatido, como observado por Renato Janine Ribeiro, por uma “lei de Murphy gigantesca”- aquela que diz que, se algo pode dar errado, dará ( O Globo, 07/10/2015).
O Brasil, suas lideranças, sua sociedade, precisa desviar-se de um caminho de profecias autorrealizáveis. Precisa olhar melhor, com olhos de fora do quadrado, para as causas das coisas e dos problemas. Pensar fora do quadrado. Buscar outros ângulos, outras perspectivas, outras formas e caminhos de enfrentar os problemas, de gerir a coisa pública, de formular as políticas públicas.
Só haverá passos a frente se a crise política encontrar uma saída para a sua solvência , com uma nova coalizão de poder politicamente dominante, isto é, um novo bloco no poder. Pensar fora do quadrado é encontrar portas de saídas para a crise política, para além da reforma ministerial. E ter a convicção de que sem sair da crise política, o país não sairá da crise econômica e aprofundará o quadro de crise social e anomia social.
O sistema político, de fragmentação partidária e coalizões ingovernáveis, alimenta a crise política. A crise fiscal do Estado brasileiro retroalimenta a crise política. A sobrecarga de demandas sobre o Leviatã brasileiro “retro-retro-alimenta” a crise política. Está formado o círculo vicioso.
É preciso criar um consenso mínimo em torno de uma Agenda central e crucial para sair do canto do ringue. Inúmeros analistas e estudiosos já enumeraram esta agenda ( incluindo, por exemplo, Delfim Netto, Armínio Fraga, Luiz Gonzaga Belluzo e também o senador Renan Calheiros, dentre outros). Agora, é preciso coragem para colocá-la em prática.
Na esteira desta agenda central, os gestores públicos, nos níveis federal, estadual e municipal, e no executivo, legislativo e judiciário, precisam ter ousadia, saindo do quadrado, para adotar boas práticas de gestão, em pleno Século XXI. Coragem para implantar o Orçamento Base Zero na União, nos estados e nos municípios. Coragem para buscar economias de escala na prestação dos serviços hospitalares. Coragem para os municípios adotarem o conceito de “facilities” na prestação dos serviços locais. Coragem para preservar direitos, mas combater privilégios adquiridos. A lista é enorme… as ferramentas e os exemplos estão disponíveis mundo afora e país afora.
Sobretudo: coragem para fazer uma “ lipoaspiração” no Estado. Trinta anos depois da “Nova República”, é de outra RESTAURAÇÃO que o Brasil precisa.
Se não, tudo indica que todos vão querer praticar os versos do poema de Manuel Bandeira, “Vou-me embora pra Pasárgada”: …lá sou amigo do rei…aqui eu não sou feliz, lá a existência é uma aventura…em Pasárgada tem tudo, é outra civilização…e quando eu estiver mais triste, mais triste de não ter jeito, quando de noite me der, vontade de me matar – lá sou amigo do rei – terei a mulher que eu quero, na cama que escolherei, vou-me embora pra Pasárgada” (excertos).