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​Flores para Mariana

Mesmo assim havia mães e havia filhos: poucos para umas, muitos para outras

O Dia das Mães é sagrado na casa dos Aguarrás! O almoço é servido com atenção aos detalhes – toalha de linho bordada com os nomes dos oito netos – uma tradição. O menu, também tradicional, é preparado com os cuidados e a precisão de uma cirurgia. Afinal, são oito médicos na família. No mais, tudo perfeito: vinho da melhor safra, talheres de prata com detalhes em ouro – garfo, faca e colher ao lado de cada prato, mesmo se hoje já não se serve uma sopa antes do prato principal.

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Houve um tempo sem Dia das Mães – nebuloso e triste. Mesmo assim havia mães e havia filhos: poucos para umas, muitos para outras. As desigualdades sociais! Mariana Flores, lavadeira, tem oito meninos, cada qual mais bonitinho. Dona Jandira, mulher de deputado, tem tudo que quer – mas não tem filhos. Junta agrados e presentinhos – Leva pros meninos, Mariana. Mais a sobra de comida, os pães dormidos, umas cobertas que já não ficam bem na cama da madame.

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Tô gostando disso não, resmunga Mariana pro marido, Muito agrado pros menino, a gente desconfia. O marido, de pouco serviço e nenhuma conversa, resmunga qualquer coisa e não dá atenção. Dona Jandira manda os biscoitos que sobraram do lanche da véspera – Leva pros meninos…tão bonitinhos! Mariana agradece, como recusar biscoito de araruta? Mais essa geleia…os meninos se lambuzam na geleia de goiaba.

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Os pacotes chegam pelo Correio – vestidos feitos na Capital, jóias de valor, bibelôs para enfeitar os móveis, louça fina. Mulher de sorte! As criadas da cozinha suspiram. Mariana tem pena: Tanto dinheiro, tanto luxo, mas num pariu filho nenhum. Me vende um deles, Mariana, no futuro ele vai te ajudar. Vou dar estudo, fazer dele um doutor, e você pode visitar quando quiser. Tantos meninos, um não vai te fazer falta. No dia seguinte, Mariana pede as contas. Perde a patroa rica, mas vai dormir em paz.

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Mariana arranjou outra patroa, pagando até melhor, mas ainda não dorme em paz. Tem pena da outra, com tanto dinheiro, tanto pacote chegando pelo Correio – mas sem um filho. “Tão bonitinhos seus meninos, Mariana…” Tem tanta mãe abandonando criança em orfanato, tanta mãe maltratando a cria, por que Dona Jandira não adota? Por que fica de olho comprido nos meus menino? O marido cansa daquela choradeira, vai lá falar com a ex-patroa – Quanto a senhora paga num dos meu menino? Olha, Sêo Afonso, eu pago o que pedir, mas a mãe tem que consentir. Vou roubar menino, não senhor.

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Afonso avaliou a madame, não era de se jogar fora. A senhora me adesculpa, mas acho que o problema não é da senhora, mas do senhor seu marido…Era setembro, entrada da primavera. No inverno Dona Jandira pariu um menino – meio moreninho, mas o marido já não era jovem e andava mal das vistas. Todo o enxoval do garoto chegou pelo Correio – uma belezura!

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O tempo correu, gentil com uns, malvado com outros. Os oito meninos da Mariana sumiram pelos becos da vida, ela hoje passa o dia das mães sozinha, que o Afonso já não está nesse mundo.

Mariana Flores

Na casa da Jandira Aguarrás, no entanto, o Dia das Mães é sagrado! O filho e os oito netos vêm da Europa e dos Estados Unidos para se reunirem com a poderosa viúva, que continua cheia de charme. E todos os anos, no Dia das mães, Mariana recebe flores pelo Correio.

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