O que pega agora é a prova de relação direta do ex-presidente com os atos golpistas
Justamente em mais de um dos solavancos de Lula em discursos em que o vimos se debatendo contra o Copom e o Banco Central, com justeza, e pela necessidade de investimento público para o crescimento do país e superação da estagnação da indústria, expansão da infraestrutura, etc, tivemos, de outro lado, o desconvite do ministro da Agricultura do governo Lula, Carlos Favaro, do evento do Agrishow, em Ribeirão Preto, sob o influxo das cercas rompidas no Abril Vermelho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em que Jair Bolsonaro se apresentou heroicamente perante o público em Ribeirão Preto, acenando ao agronegócio.
O agroevento foi uma catarse contra alergias atávicas voltadas para Stédile, José Rainha e cia, e uma marcação de território de Bolsonaro contra Lula e suas novas demarcações de terras indígenas e defesa de quilombolas. Ali se estabeleceu novo palanque bolsonarista depois das trevas da depressão na Disney. Ao passo que os problemas do governo Lula em descer do palanque, com discursos que agora tentam criar em quatro anos, mais do que o que se fez nos outros oito anos de governo Lula, numa visão de Kubitschek de si mesmo, refletem um governo que se vê cercado por limitações orçamentárias.
As dificuldades de reverberar no Poder Executivo e em acólitos históricos do petismo a versão de arcabouço fiscal que foi discutida entre Congresso Nacional e os artífices do Ministério da Fazenda, na articulação necessária entre Fernando Haddad e Simone Tebet, do Ministério do Planejamento, junto com o diálogo com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, os três que formam o Conselho Monetário Nacional, regendo a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), por exemplo, estabelecem uma tensão em que a equipe econômica tem que lidar com um presidente inflamado e que não saiu de seu palanque, o que significa que o foco de trabalho ministerial vive a apagar incêndios de um ímpeto ainda mercurial recém-saído da disputa eleitoral por parte do presidente da República.
Voltando agora ao freio imposto ao balão de ensaio de Jair Bolsonaro e seus asseclas, que já se assanhavam a partir da ovação alcançada no tal Agrishow de Ribeirão Preto, o que poderia ser um anúncio do retorno de cercadinhos e motociatas de péssimo gosto e de cepa do fascismo italiano de Benito Mussolini, temos, com a Operação Venire, um novo flanco aberto para apurar as fraudes de vacinas e vazamentos de áudios que podem ser comprometedores.
Se esses áudios forem algo além de bravatas de um falastrão, caso de Aílton Barros, um dos seis presos na Operação Venire, e considerado, segundo declaração de Jair Bolsonaro, pelo próprio, como um “segundo irmão”, a coisa vai longe. Contudo, não se cria expectativas a partir deste perfil instável que é o de Barros, melhor esperar.
Mauro Cid, por sua vez, também é investigado por lavagem de dinheiro, e a Polícia Federal (PF) investiga possível associação criminosa acusada de fraudar cartões de vacinação contra Covid-19. E a operação já cumpriu mandado de busca e apreensão na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro, e que teve seu celular apreendido. A descoberta da fraude da vacina aconteceu através do inquérito das milícias digitais, no Supremo Tribunal Federal (STF).
No caso de Barros, os áudios dele feitos para Mauro Cid contém tanto a descrição de um plano de golpe de Estado no Brasil, como a intenção de prisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, e tudo com o intuito de manter Jair Bolsonaro no poder. Em outro ponto do áudio, Barros afirma saber tudo sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), incluindo o mandante do crime. Mauro Cid, segundo bolsonaristas próximos de Jair, não parece ser uma ameaça para revelações comprometedoras, o que não é o caso de Aílton Barros, que pode acabar fazendo uma delação premiada, pois tem um temperamento instável.
A fraude dos cartões de vacinação, por sua vez, passa longe das preocupações dos aliados de Jair Bolsonaro. O que pega agora é a prova de relação direta do ex-presidente com os atos golpistas de 8 de janeiro. E vemos o esvaziamento da oposição da comissão que forma a CPMI do 8 de janeiro, e que agora tem maioria governista, com o vivo interesse de apurar crimes, o que há poucos dias o governo jurava querer que fosse para as calendas ou o esquecimento.
Por fim, a ironia do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, em relação ao fato da oposição ainda não ter nomeado seus membros da comissão, contrasta, por sua vez, com a pressão desta mesma oposição para a instalação do inquérito, depois de manipulações dos vídeos gravados da invasão dos Três Poderes. O jogo se realinha mais uma vez, e o súbito assanhamento de hostes bolsonaristas agora coloca as barbas de molho.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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