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Gangster Paradise – Jerusalema

Diretor fez excelente trabalho de autocrítica, sem esconder os podres nem apelar para maniqueísmos

Este drama sul-africano parece mais um dos muitos filmes superficiais do gênero, produzido aos milhares nos EUA, mas, na verdade, é muito mais do que isso, por mostrar a face oculta da África do Sul pós-apartheid, o fracasso da sonhada rainbow nation. Neste filme, Nelson Mandela não é protagonista, na verdade ele não é importante na história, e só é mencionado uma vez. 

A geração pós-segregação sonha com o sucesso financeiro e, ao contrário do que é propagado na mídia, o sentimento não era de união, mas de revolta e insatisfação pela vida que continuou igual. Todos na África do Sul se sentiram no direito de receber algum auxílio mesmo não tendo feito nada para merecê-lo. Neste caos social todos são materialistas e não existe solidariedade entre e para com os pobres, talvez por isso, e por acharem que os fins justificam os meios, os dois jovens da periferia insatisfeitos com a pobreza aceitam a oferta de Nazareth, um ex-guerrilheiro que ficou de fora da fatia governamental para entrar no crime. Utilizando uma interpretação torta da realidade feita por si mesmos, os dois roubam quem estiver mais próximo, ou mais fácil, e, claro, que esteja de acordo com as encomendas do patrão.

A violência “justificada” cria um clima de paranoia na população e a indústria de segurança privada cresce exponencialmente até se tornar a maior do país.

Depois de um assalto malsucedido, Lucky e Zakes fogem para Durban, quando descobrem que a polícia está investigando no bairro. Anos depois, os amigos de infância vivem como motoristas de van em Johanesburgo de forma mais ou menos honesta, até o dia que Lucky é sequestrado por carregar passageiros numa zona de outro motorista. Por sorte, ele consegue escapar depois de quase levar um tiro. Seu veículo roubado era sua única fonte de renda.

Lucky e Zakes procuram Nazareth, que os introduziu anos atrás no crime. Eles elaboram um projeto maluco de criar uma ONG laranja com pouco dinheiro. Os objetivos: assumir a liderança sindical, instigar a revolta dos moradores do bairro de Jerusalema com as condições habitacionais precárias, eliminar os elementos indesejados do cortiço, prostitutas, traficantes, viciados….

Depois, disfarçados de instituição filantrópica, Lucky força um acordo de reforma com os locadores, sob o pretexto verdadeiro dos prédios estarem abandonados. Os moradores se recusam a pagar os aluguéis enquanto não começarem as reformas e a ONG protela as reuniões eternamente, até os moradores serem expulsos por inadimplência e o imóvel ir à leilão para logo depois ser arrematado pela gangue por quase nada. Os locatários aproveitadores são substituídos por bandidos profissionais.

Uma jornalista investigativa entrevista os dois lados – policiais e acusados – e mostra a complexidade da sociedade sul-africana. Lucky afirma ser vítima de preconceito para desacreditar as acusações a respeito da sua organização e o policial Blakkie ainda mantém os traços de personalidade herdados do regime anterior.

As atividades de Lucky ficam escancaradas quando a gangue passa a invadir imóveis desabitados e prédios que ainda não foram arrematados. Mesmo levantando suspeitas, a população local omite assassinatos e arbitrariedades. Por não terem provas suficientes para prendê-lo, as construtoras apelam para as inspeções e as avaliações mostram que as construções estão repletas de maus elementos e são impróprias para morar. Ordena-se, então a implosão dos prédios e grande parte dos negócios vai por água abaixo.

Outro inimigo da gangue, o nigeriano Tony comanda o tráfico e a prostituição em Jerusalema. Lucky precisa expulsar os funcionários de Tony para manter-se funcionando.
Esta é outra faceta insuspeita da nova África do Sul. Mostra que o sentimento anti-Nigéria, anti-Congo e contra imigrantes do continente de modo geral é tão presente quanto o ressentimento com os bôeres e ex-apoiadores do apartheid, vide os casos de agressões a imigrantes nigerianos e a retaliação das pessoas desse país a empreendimentos sul-africanos.

Se o sonho da coexistência pacífica entre nacionais fracassou, a entrada de imigrantes tornou tudo ainda mais complicado. A união africana e mais ainda a projeto pan-africanista se mostram bem distantes da realidade. O diretor fez excelente trabalho de autocrítica ao mostrar vários pontos de vista sem esconder os podres nem apelar para maniqueísmos.

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