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Guerra cultural bolsonarista

No início deste mês estive presente a uma apresentação do professor João Cezar de Castro Rocha, no Espaço Thelema, no Centro de Vitória, que levanta uma tese de que o principal objetivo do governo Bolsonaro é a guerra cultural. Embora tenha sentido falta de uma crítica realista ao comportamento da esquerda em seus 13 anos de poder, que raramente aparece nas reflexões dos alinhados a ela, considerei sua tese muito própria.

A cultura estará sempre na vanguarda das transformações sociais, uma vez que sua manifestação é popular, espontânea, contagiante e superior a qualquer regulamentação. Contudo, exatamente por ter essas características, também ameaça qualquer forma de opressão ou tentativa de estabelecimento de limites, sejam políticos, religiosos e morais, ao mesmo tempo em que podem ser manipulados para servi-los.

A arte, a poesia, a literatura, o folclore, a religião e seus correlatos são retratos da cultura e brotam da necessidade, às vezes do indivíduo, de coletivos e até de uma nação inteira, muito mais que da vontade. 

Observemos que os momentos de pressão são sempre de grande produção cultural e que, os grandes levantes, só se sustentam se estão alinhados a essas manifestações, desde que não sejam de caráter impositivos pela força.

Assim sendo, me parece que: a guerra estabelecida por esse governo só conseguirá ser vitoriosa se for utilizada a força e, assim mesmo, essa vitória seria precária, como vimos acontecer durante os anos de chumbo da ditadura militar, que mesmo prendendo, consumindo e matando as pessoas identificadas como inimigas do regime, o mesmo foi perdendo força até sua exaustão e rendição ao poder político popular, expressado nas grandes manifestações, como os movimentos pela anistia e eleições diretas, nascidos e impulsionados na, e pela cultura. 

Se consideramos essa guerra cultural, é necessário identificar as armas a serem utilizadas nesse confronto. Para isso, é fundamental estarmos alertas para o comportamento da indústria cultural, termo cunhado por Theodor Adorno, expoente da Escola de Frankfurt, em 1940, dando conta de que a cultura também é utilizada para dominação por meio de uma indústria que propaga valores interessantes para a classe dominante.

Considerando a massiva utilização das mídias pelas religiões fundamentalistas e de pouco conteúdo teológico (como colocado pelo professor João Cezar) e a face moralista e falso-moralizadora do governo, principalmente na interferência da cultura popular, censurando, excluindo e reprimindo apresentações, filmes, músicas, etc., fica fácil observar que o front está estabelecido, restando saber apenas de que forma podemos contrapor a sua tática de guerra. 

Bem, como já dissemos que manifestação artística e cultural provém mais de necessidade que de vontade, é fundamental que estejamos abertos aos insights criativos, que possamos estar sempre incentivando essas manifestações, que não precisam ser grandes, mas variadas e numerosas, que sejam espontâneas e abrangentes, absolutamente livres de juízos de valores, para que no sentido mais nietzschiano possível, transpareça o ser integral, apolíneo e dionisíaco, livre dessas amarras.

A liberdade canta, na alvorada da luta, se foi cultivada no solo fértil do povo livre e autônomo em sua criatividade e manifestação, para que o ser que canta, dança, faz poesia, teatro, literatura, etc. seja o mesmo que vai à igreja, assiste televisão e recebe toda a carga ideológica dessa indústria cultural e, naturalmente, consiga discernir o que lhe prende e liberta, estando preparado para não ser presa fácil do discurso repressor e dominador. 

“Liberdade, liberdade

Abra as asas sobre nós

E que a voz da igualdade

Seja sempre a nossa voz”

Samba enredo da Imperatriz Leopoldinense (RJ) 1989


Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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