Temos um problema de transposição de tradições milenares, que envolvem práticas eróticas e sexuais
O caso Ananda Joy ficou conhecido por reportagem de O Globo em janeiro de 2019, nome de um guru que tem como nome real Diógenes Mira, e na ocasião das denúncias de abuso sexual e estupro tinha 39 anos e atuava como um tipo de mestre e sábio, condição esta comum a todo aquele que se autointitula “guru”.
Ananda Joy ministrava cerimônias tântricas em Piracicaba-SP. O guru se coloca como um estudioso do misticismo oriental e também é instrutor de yoga. Fazia vinte anos que ele ministrava o chá Ayahuasca nas suas cerimônias em Piracicaba, também conhecido como o Daime. E é em Piracicaba que ele mantém seu Instituto Tantra Shala. E as denúncias partiram de uma característica de suas cerimônias, que era a de o guru ter uma posição de poder sobre os que frequentavam tais encontros. A sua condição de guru, se colocando como mestre e sábio, lhe conferia poder de sugestão sobre os demais.
As sessões abertas ministradas por Ananda Joy não tinha ritual erótico, este ficava para as sessões fechadas, de onde vieram as denúncias de cunho sexual, em um caráter geral de coação e constrangimento. Ananda Joy avisava que tais rituais eróticos poderiam envolver relações sexuais, mas não estipulava em que limite aquilo se daria. As denúncias feitas por mulheres envolviam atos contra a vontade, no entanto, e não um ato espontâneo de contexto erótico-religioso. Limites foram ultrapassados para o que estas mulheres estavam dispostas a fazer.
A característica de atuação de Ananda Joy, segundo as denúncias, envolviam meios de força física e de discurso espiritual, e tinham a orientação principal de fazer com que as mulheres denunciantes fizessem sexo com o guru e outros membros do grupo. Ananda Joy negou as acusações. As denúncias de abuso reveladas por O Globo vão de 2009 a 2015.
As mulheres procuraram o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para relatar os abusos cometidos por Diógenes Mira, o Ananda Joy, e o MP afirmou que várias vítimas procuraram o órgão. Segundo as denúncias e relatos, uma das vítimas participou de uma dança em que houve carinhos e toques sensuais com o propósito de curar traumas e bloqueios. Ananda Joy a abraçou e esfregou seu órgão sexual na vítima, ele estava de roupa, e a vítima entendia tais esfregações como parte do trabalho de cura praticado pelas cerimônias tântricas.
Uma outra mulher disse que, durante uma relação sexual, Ananda fez uma prática que a vítima não concordara, mas que Ananda fez o ato mesmo assim, mesmo com a vítima pedindo para parar o ato. A posição de guru de Ananda Joy lhe colocava numa posição privilegiada e de poder, e isto operando pelo seu suposto status espiritual, o que, no contexto de suas cerimônias se transformava imediatamente em poder de sugestão e manipulação. O argumento para qualquer prática feita em tais cerimônias tântricas é a de que se tratava de um trabalho espiritual.
Ananda Joy se defendeu das acusações nas redes sociais, e sua defesa afirma que o guru é inocente. Diante das várias denúncias, Ananda disse que acionou uma defesa técnica, por meio de um escritório de advocacia, e disse que só se manifestaria pelos advogados, tentando poupar a sua família da repercussão do caso, usando a defesa técnica como sua forma de comunicação sobre o caso.
O advogado de Ananda Joy, Luiz Auricchio, afirmou que o acusado é inocente, e um fato estranho é o de tais denúncias terem ido primeiro à imprensa e só depois para o MP-SP. Nenhuma vítima foi à delegacia, por exemplo, o que o advogado julga como no mínimo estranho. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que não teve nenhum boletim de ocorrência contra Ananda Joy no Estado de São Paulo, e que a polícia ficou sabendo do caso e de sua repercussão pela imprensa.
Embora o caso seja controverso, pois há muitas denúncias, mais os meios usados, imprensa ao invés de delegacia, num primeiro momento, temos um problema de transposição de tradições milenares, que envolvem práticas eróticas e sexuais, e que talvez, nos tempos em que estas práticas foram criadas e aperfeiçoadas, tudo fazia parte de um contexto cultural e social específico.
Pode ser que tal adaptação aos tempos modernos e contemporâneos de tais práticas e cerimônias tântricas e eróticas possam trazer algumas ou muitas incoerências, sendo que o erotismo do tantra, num contexto do mundo antigo hindu, tem um sentido completamente diverso do que tentam aplicar hoje, e que, por último, mas não menos importante, pode ser um chamariz para aproveitadores e manipuladores.
E a aplicação de ayahuasca, ou daime, no caso de Ananda Joy, aprofunda o problema, pois é mais um fenômeno comum de práticas espirituais muito mais conhecidas pelo seu ecletismo do que por fundamentos filosóficos realmente fortes.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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