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Haja papel!

Ontem como hoje, a ditadura do papel impresso é imbatível

Minhas primeiras pretensões literárias foram datilografadas numa velha Remington preta, carro longo, bastante pesada para imprimir muitas cópias a carbono, como exigia então nossa obsoleta burocracia. Com tantos avanços da tecnologia, mudaram as ferramentas de escrever, mas a burocracia mudou muito pouco. O carbono fazia uma tremenda sujeira em tudo que pegasse, e pelo menos esse foi eliminado com o advento dos computadores. Mas a burocracia…

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Ontem como hoje, a ditadura do papel impresso é imbatível. A papelada vai se acumulando pela vida afora, como poeira pelos cantos de uma casa fechada. Documentos que precisam ser mostrados para comprovar que ainda estamos vivos e pagamos as nossas contas têm a validade de cinco ou dez anos, mas já estão soprando 30 velinhas no fundo das gavetas. Coisas que podem ser necessárias, comprovantes disso ou daquilo, ou que têm intrínseco valor emocional, ou sabe-se lá o que mais. Haja papel!

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Outro dia fiz uma comprinha em um supermercado da Praia do Canto, ou da Direita, ou da Esquerda, não lembro mais. Fila enorme, e depois de registrar os dois artigos na registradora, que é um computador camuflado, a atendente puxou da gaveta um caderninho e renumerou minha compra outra vez – a lápis! Entendi o motivo da longa fila. Pior, porém, são esses minúsculos comprovantes de voto, feitos para serem perdidos. Por que comprovantes, se ficou registrado nos computadores do TRE que você cumpriu seu sagrado dever cívico? Se o voto é um privilégio, por que é preciso provar que votamos?

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As estatísticas nos desanimam – mesmo nos tempos da ditadura digital, o consumo de papel aumentou em 60% nos últimos 5 anos, e está longe de desaparecer da nossa vida. Quem gasta mais? As exigências legais põem a indústria imobiliária no topo desta lista. Quem já comprou algum imóvel, por modesto que seja, perdeu a conta das folhas e folhas e cópias de cópias onde precisou assinar – Nome completo ou rubrica? Melhor pôr os dois. Haja celulose!

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O mundo financeiro não fica muito atrás – quanto papel é preciso para imprimir o seu salário? Com tantos cartões de crédito disponíveis e na maciça preferência pelas transações online, o velho dinheirinho de papel inventado na China continua circulando. Nos grandes investimentos, a papelada também abarrota os cofres de segurança. Atrás desses vem a assistência médica. Deu no Medical Finance: nos States, um hospital de + ou – 1.500 leitos imprime cerca de oito milhões de folhas de papel por mês! Haja celulose!

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Adicione-se a essa lista de consumidores desenfreados a empacotadora – a indústria de pacotes. Quase tudo que se compra vem dentro de uma caixa, que nas entregas online vem dentro de outra caixa. As sacolas plásticas deram sumiço no papel de embrulho usado antigamente, mas isso foi pular da frigideira para cair no fogo – as de plástico poluem ainda mais. Se hoje rabisco essas mal-traçadas linhas em um laptop de alta geração estou diminuindo o consumo de papel? Pois sim! As gavetas da direita brigam com as gavetas da esquerda – Aqui não cabe mais nada, põe do outro lado!

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