Na viagem com destino à morte, importam mesmo as companhias
Das verdades aristotélicas, hoje me prenderei ao ser de relações. Nesses tempos em que vivemos em guerras ameaçadoras, belicosidades políticas, comerciais e étnicas, lembrar da condição humana do ser de relações e aprofundar nesta reflexão pode nos abrir condições de contrariar o senso comum competitivo e construir relações solidárias e fraternas de forma natural e espontânea.
Talvez possa ser considerado uma ingenuidade minha, mas sempre tenho comigo que o macro começa no micro, ou seja, ao assistir a opressão de um povo contra o outro, sempre penso que esse comportamento é uma extensão da ética desse povo. Está ligado ao ser mais forte, mais importante, mais merecedor, etc. uma construção das relações em nível pessoal que resulta na cristalização do comportamento de um povo.
Também gosto de pensar a família moderna como um laboratório de importantes construções para a cidadania. Quero dizer que na família se constrói o ser empático, solidário, companheiro e compassivo. Esse ser, entregue à cidade, leva consigo os bons princípios para as relações.
Bem, o que acontece para o relacionamento se perder na competição e os povos se enfrentarem deve estar diretamente relacionado ao viver cotidiano desses povos. Vou tomar por exemplo Israel e Gaza.
É fato que o povo judeu sofreu violências inimagináveis num passado não muito remoto, e as famílias são marcadas por essa violência e vitimadas pela covardia e insanidade. Contudo, vale questionar: qual o aprendizado o holocausto trouxe ao povo judeu? Ao ocupar o território palestino e deixar aquele povo sem condições dignas de existência, dependendo de ajuda humanitária para viver, os judeus não estariam se comportando pelo mesmo paradigma daquela Alemanha? É claro que são guardadas as devidas proporções, ou seja, não estou aqui para minimizar o terror do holocausto, mas penso que as crianças, mulheres e idosos em Gaza hoje não ficam muito longe dos sofrimentos vividos pelos judeus, afinal, dosar o sofrimento me parece uma covardia ainda maior.
Do macro para o micro, às vezes fico tentando imaginar a discussão da ocupação e agora da guerra, nas mesas de refeição das famílias de Israel. Como um casal apresentaria a questão aos filhos? Nós merecemos a terra e uma vida digna porque sofremos muito no passado e esse “merecimento” acontece em detrimento das famílias do outro lado (?).
Mesmo tendo construído instituições voltadas à solidariedade entre os povos, na hora do “vamos ver”, cada um puxa a farinha pouca para seu pirão e a luta se torna individualizada em pessoas, castas e nações.
O fato é que, embora O Filósofo tenha enxergado a necessidade humana de agregação, a humanidade desenvolveu a competitividade como forma de estabelecer os melhores e mais merecedores, sejam os fortes, desde a cultura olímpica até as guerras, sejam os ricos, à exemplo da covarde desigualdade social e exploração dos seres, ou os belos, intelectuais, talentosos, etc. em seus destaques.
Enfim, penso que atentar para a investigação filosófica das relações contemporâneas escancara o egoísmo, o egocentrismo, a vaidade e a supremacia, mas no fim da viagem, a solidão e o arrependimento e a sempre possibilidade de o diálogo empático e fraterno ter evitado o conflito.
Que nos salve o útero humano!
Ubuntu – Só sou, porque somos. Humanidade para todas e todos!
Everaldo Barreto é professor de Filosofia