Violência: entre o “espetáculo” e a realidade
Para uma boa análise da banalização da violência que vivemos, é preciso que se vá diretamente ao foco da questão, ou seja, a enorme metástase da desigualdade, que envergonha as políticas públicas, frente à manutenção de um sistema social com a competitividade do capitalismo. A isto soma-se a cultura de enriquecimento imoral, herdada do período escravocrata que o Brasil esticou enquanto pôde.
A primeira constatação vem quando buscamos a origem de nossas elites. Construídas a partir da exploração da mão de obra escravizada e do extrativismo das riquezas naturais do país, grande proprietária das terras e dos meios de produção e de divulgação, que impõe condições de vida e desenvolvimento às classes inferiores, jogando com os postos de trabalho, bem como com a produção destes trabalhadores, inclusive na criação de hábitos de consumo, por meio da mass media, de forma que o próprio trabalhador se torna o principal consumidor, ou pretenso quando não alcança o produto.
Da necessidade, real ou feitichizada do consumo (ou o afã de consumir), para a prática do crime capital, a barreira é muito frágil, porque é moral e moral não é uma característica nata do ser humano, mas um aprendizado, que acontece durante sua vida. Aqui a Filosofia tem uma grande contribuição com seu questionamento radical: como se aprende? A partir de discursos – as antigas “aulas expositivas e dialogadas”? A partir de recíprocas de inversão (vendo outros fazerem)? Outras formas específicas?
Estamos em busca dessas respostas, mas podemos afirmar que partindo de exemplos reais, de comportamentos admirados, principalmente daquelas pessoas mais influentes na sociedade, é uma dessas formas de aprender.
Bem, aqui podemos perceber o início da complicação, os personagens influenciadores, aqueles que elegemos como tais, e aqui podemos listar principalmente os políticos, estão sempre na cartilha maquiavélica, de importarem-se muito mais com a manutenção do poder que com a promoção da felicidade do povo. Podemos dizer que este comportamento se faz tradicional de grande parte dos políticos brasileiros e transferem à população a justificação da adaptação da moral, aos próprios interesses individuais, como uma coisa comum e “oficial”.
Ainda caberia uma reflexão mais profunda direcionada aos hábitos de valorização capitalista para funções em nossa sociedade. Para isto basta mirar nos ganhos financeiros dos jogadores de futebol (aproveitando a evidência da Copa do Mundo), que comparados aos dos profissionais comuns, e até dos políticos em tela, acabam lhes “justificando” a corrupção como forma de “adaptação” da moral aos interesses individuais de uma categoria, partindo da importância que se dão em confronto com a dos jogadores, por exemplo. Vou deixar este aprofundamento a cargo do leitor.
Como se tudo isto não bastasse, quero ainda tocar a realidade da violência urbana, relacioná-la ao encarceramento de “criminosos”, mas também alcançando suas vítimas, pois, em maioria, são todos da mesma classe social, uma vez que os crimes relacionam algozes e vítimas à condição posta na sociedade de “criminalização da pobreza”.
Ao frigir dos ovos, a gordura que sobra é a visão passada à sociedade, por meio da espetacularização que faz a mídia em sua venda desesperada de audiência, para abonar um contexto social que prega um moralismo doente e hipócrita, enquanto vive uma competição de pouquíssimo escrúpulo.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia