Quem de nós sabe onde fica o Lácio?
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Já repararam que pode faltar dinheiro pro leite das crianças ou pra conta de luz, mas todo mundo tem celular? Já leu o novo livro do Buarque? Pobre tem dinheiro pra livro não senhora. Aí o telefone toca…livro é mais barato, mas o celular me comunica com o resto do mundo. O resto do mundo, no caso, é o marido no bar da esquina e os dois filhos vidrados em seus celulares: a família moderna só se comunica pelo sem-fio. E ainda há quem diga que a maquininha infernal veio unir as pessoas.
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O Lácio é uma região central na bota da Itália, terra de vinhos e de óperas, adoradores do sol, astro rei – Oh sole mio! Nosso, pois o sol nasce para todos. O nome vem de Latium, terra dos Latins, os que falavam Latini, o chamado Latim Vulgar que acabou dominando os dialetos eruditos falados em Roma. Portanto, os criadores da língua latina, mãe generosa que pariu nosso português. O Lácio teve ainda a honra de esconder o deus Saturno quando ele era perseguido por Júpiter. Os deuses eram mais complicados do que as conjugações latinas.
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Vulgar, no caso, não é ofensa, referindo-se ao vocabulário das pessoas de pouca ou nenhuma cultura – soldados e arruaceiros, bêbados e trabalhadores do campo, mulher da noite ou a que madruga pra ir na primeira missa – O pai nos vinhedos, a mãe no fogão batendo a polenta que sustenta os filhos. Não tinham tempo para as complexas variações verbais e as 27 funções da palava Q. Os idiomas se realinham no correr dos séculos. Sapato é com um ou dois esses? Tira ou põe cedilha? Jota com pingo ou sem pingo? Foi eliminado ou continua pingado?
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Bilac não está sozinho. Outro grande poeta da modernidade, Caetano Veloso, também esmiuçou nossas raízes linguísticas na música que roubou o nome do poema do Bilac: “Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó”. Filha do Lácio, do ócio, ternura em pó, cheia de graça, dilapidada e americanizada. Língua dos Césares, dos tenores, de Dante e Michelangelo. Língua de amores, olha por nós, latinis, filhos do sol.