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Machismo, misoginia, homofobia e racismo

As faces da violência no cidadão comum

O iluminismo “modernizou” a Polis grega com a ideia do estado kantiano em que o cidadão se sente autor da lei, o que implica diretamente na ética do imperativo categórico “deves por que deves”. Essa obediência cega à lei seria totalmente compreensível e aceitável se o governante efetivamente representasse o povo que o elegeu, mas do ideal filosófico de Immanuel Kant para o Estado que vivemos hoje essa identificação a muito se perdeu.

As campanhas eleitorais muitas vezes expõem faces de determinadas candidaturas, que a rigor não poderiam nem mesmo estar concorrendo, como é o caso de pessoas que responderam a processos de improbidade administrativa, corrupção e etc., em mandatos anteriores.

Mais pernicioso que a administração em si, ou seja, o perigo do lobo cuidar do galinheiro, é o reflexo na vida do cidadão comum. Esse cidadão que na antiguidade era educado para viver na Polis, hoje é educado pela Polis e, como sabemos que a forma mais eficaz de educar se dá pelo exemplo e que o governante sempre será paradigma para o povo, o estrago está feito.

Essa demonstração ética do governante reflete nas relações sociais quase que automaticamente. Desde as relações pessoais até as empresariais, também passando pela relação das pessoas com as empresas, há um constante levar vantagem, desconfiar da vantagem, se resguardar do prejuízo, da chantagem, enfim, uma relação de medo e desconfiança frente ao poder e seu exercício, “ensinado” pelos governantes.

Assim podemos dizer que é criada e alimentada uma cultura de poder para dominação, usurpação, subordinação e discriminação, que vai da relação do governante com o povo, passando pelas instituições como escola, igreja, agremiações, etc. chegando às famílias, às relações de casais e também na inter-relação dos diferentes.

O homem com a vantagem comum da força física e da experiência no mundo, principalmente no mundo externo que historicamente ele mesmo negou às mulheres, se faz superior. Essa pretensa supremacia por si só já é misógina, uma ação de desqualificação da mulher para a subjugação, que transparece no discurso “comum” nas “gracinhas” perpetuadas em piadinhas nada inocentes, como a indicação do lugar, função e até definição de mulher. Contudo, precisamos também ressaltar que a misoginia não é praticada somente pelo homem, mas por toda a sociedade assimiladora dessa cultura e incapaz de uma reflexão existencial efetiva, incluindo aí também mulheres, como algumas autoridades vinculadas a governos machistas e misóginos, a que inclusive temos convivido no Brasil.

Na relação interpessoal, vamos encontrar a homofobia e o racismo na mesma estrutura de dominação e subjugação, impregnados de tal forma que se tornam invisíveis na vida comum e só aparecem quando extrapolam da violência vivencial para a criminosa física ou moral.

Ante o tamanho do problema, fica difícil encontrar uma luz ao fim do túnel para nos guiar ao rompimento com essas práticas violentas.

Talvez a Paidéia grega indique a solução pela educação integral do homem para a vida social, na Polis e a preparação moral do governante, pois é preciso desaprender para reaprender a viver em harmonia e igualdade de existência para com os diferentes e assim podermos usufruir da beleza harmônica e integradora, instrutiva e prazerosa da convivência social entre os diferentes.

“A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades”. Paulo Freire


Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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